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Existe risco de operações eólicas offshore predatórias no Brasil?

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Existe risco de operações eólicas offshore predatórias no Brasil?

Uma corrida pelas licenças de geração de energia eólica está ocorrendo no Brasil, onde mais de 80 GW de projetos foram submetidos ao Ibama, de acordo com uma atualização recente em seu banco de dados. Isto é o dobro do valor registrado há apenas seis meses.

Este movimento, que reflete avanços nas negociações sobre o marco regulatório da energia eólica offshore, está despertando preocupações sobre o potencial esgotamento, de forma predatória, do espaço economicamente aproveitável da costa brasileira.

Esse fenômeno foi visto durante o surgimento da indústria do petróleo nos EUA no início do século 20, onde a chamada “regra da captura” determinava que a primeira pessoa a chegar ao petróleo seria o proprietário.

Como a regra criou um incentivo para os proprietários perfurarem o maior número possível de poços em suas terras, reduzindo a pressão dos reservatórios, isso levou a baixas taxas de recuperação de hidrocarbonetos, obrigando o governo federal a intervir no setor.

No caso da eólica offshore brasileira, o principal motivo de preocupação é o mecanismo de cessão independente, previsto no decreto recentemente publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), o qual permite que entidades privadas manifestem interesse em áreas não incluídas nas cessões previstas.

Isto tem feito alguns agentes do mercado pensarem que quem primeiro manifestar seu interesse em determinada área terá direito de preferência no caso de superposição de áreas.

No entanto, Thiago Luiz Silva, do escritório Vieira Rezende, ressalta que esta é uma interpretação equivocada do decreto, uma vez que a cessão independente implica apenas que tais polígonos serão incluídos nas rodadas de licitações pela iniciativa privada, não governamental.

“Tanto a escrita quanto a jurisprudência brasileira favorecem consistentemente procedimentos amplamente divulgados para transferir os direitos de exploração econômica de qualquer recurso nacional, pois os procedimentos públicos e competitivos são a única maneira de garantir que o país e sua população se beneficiem ao máximo de tais transferências de direitos”, disse ele à BNamericas.

Silva destaca que esse modelo já é aplicado com sucesso no programa de áreas abertas da indústria de óleo e gás local. A ANP permite que as empresas manifestem interesse em contratar determinadas áreas onshore ou offshore para exploração e produção de hidrocarbonetos. Quando isso acontece, inclui a área correspondente na próxima rodada de área aberta.

“Se uma área tem apenas uma parte interessada, isto não significa que esta parte automaticamente realizará o contrato correspondente. Primeiro terá que cumprir todos os requisitos para isso, comprovando capacidade financeira, técnica e jurídica, prestação de garantias para execução de obras mínimas, descomissionamento etc.” disse Silva.

Na visão do advogado, se houver alguma parte procurando obter uma vantagem “predatória” sobre os outros expressando seu interesse primeiro, tal comportamento provavelmente terá o efeito oposto.

“Isso porque o aumento do interesse por essas áreas levará o governo a vê-las como promissoras, impondo ‘preços’ ainda mais altos por elas”, disse.

ABEEÓLICA E MME

A associação local de energia eólica Abeeólica e o MME concordam com a interpretação de Silva.

Um porta-voz da Abeeólica disse à BNamericas que o marco regulatório estabelecido pelo decreto fornecerá as diretrizes necessárias para evitar “regras de captura” ou “exploração predatória”.

“Concordamos com a visão mencionada pelo advogado porque realmente as áreas deverão ser antes objeto de um leilão público. Deste modo, a exploração da energia eólica offshore será objeto de licitação, sendo necessária a realização de uma chamada pública para avaliação do processo de concessão, corroborando com a segurança necessária para evitar a especulação de áreas”, disse o porta-voz.

A pedido da BNamericas, um porta-voz do MME enviou a seguinte declaração:

Os estudos iniciais sobre o potencial eólico offshore na costa brasileira desenvolvidos pela EPE (RoadMap Eólica Offshore - Perspectivas e caminhos para a energia eólica marítima) identificam que, para as áreas com velocidade acima de 7 m/s, a 100 m de altura [da torre de vento] e 50 m de profundidade [da água], o Brasil teria um potencial de 697 GW, dos quais 276 GW para profundidades de até 20 m e 421 GW para profundidades de 20 m a 50 m. Ou seja, factualmente não é possível tal afirmativa.

Outro dado de potencial eólico offshore foi apresentado em 2019 pelo Energy Sector Management Assistance Program (ESMAP), no relatório ‘Going Global: Expanding Offshore Wind to Emerging Markets’, que identifcou 3,1 TW de potencial eólico offshore em apenas oito mercados emergentes, incluindo o Brasil, Índia, Marrocos, África do Sul, Sri Lanka, Turquia e Vietnã.

Para o Brasil, foram identificados 1,228 GW, dos quais 480 GW em parques energéticos de estruturas fixas em áreas [de águas] com profundidades de até 50 m e 748 GW em estruturas flutuantes em áreas com profundidade de até 1000 m, com velocidades do vento entre 7 a 9 m/s. O estudo do ESMAP utiliza dados de vento do Global Wind Atlas e informações de profundidade da água da Carta Batimétrica Geral dos Oceanos (GEBCO).

Destacando-se os 7.367 km de costa, estando sob jurisdição do Brasil 3,5 milhões km² de espaço marítimo, uma plataforma continental extensa que confere águas rasas ao longo de seu litoral, e os resultados obtidos pelos estudos nacionais e internacionais do potencial eólico offshore no Brasil, observa-se que ainda haverá um longo caminho para que todo o potencial eólico offshore brasileiro seja aproveitado.

O MME afirmou ainda que o decreto 10.946/2022 também estabelece que o Ministério de Minas e Energia pode estabelecer limites máximos de áreas cedidas no mesmo contrato, com a orientação de que os critérios estabelecidos possam indicar solicitações de uso que envolvam fins especulativos ou de reserva.

“Adicionalmente, as indicações na legislação de bens públicos determinam que, nos casos de descumprimentos dos termos de cessão, incluindo condições e prazos, os contratos poderão ser encerrados. De acordo com as disposições atuais, as áreas de interesse indicadas por empreendedores que apresentem solicitação de uso deverão ser objeto de licitação, conforme legislação atual”, além de precisarem também obter autorizações para geração de energia.

OUTROS CASOS NA AMÉRICA LATINA

Além do Brasil, os países latino-americanos que estão de olho no desenvolvimento de um mercado eólico offshore incluem Chile e Colômbia, cujos potenciais são estimados em 957 GW e 109 GW, respectivamente, segundo o Banco Mundial.

No Chile, o Ministério da Energia regula o processo de licitação e as normas técnicas referentes ao sistema energético por meio da Comissão Nacional de Energia (CNE). O Ministério da Defesa controla o uso do mar, do fundo do mar e das praias. Por meio da Subsecretaria de Pesca e Aquicultura, o Ministério da Economia administra o projeto offshore e sua relação espacial com outras atividades econômicas já aprovadas próximas à zona do projeto offshore. Por fim, a partir do Serviço de Avaliação Ambiental (SEA), o Ministério do Meio Ambiente verifica o cumprimento das normas ambientais e o ciclo de vida do projeto.

No ano passado, o governo colombiano anunciou planos para publicar um plano de crescimento de longo prazo para a energia eólica offshore, à medida que aumenta os esforços para diversificar a matriz energética do país. Espera-se que o plano da indústria local esteja pronto neste trimestre.

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