Parceiros comerciais ou peões estratégicos? O lugar da América Latina nas tensões entre EUA e China

Energia renovável e mineração na América Latina continuam sendo setores importantes para investidores e empresas nos EUA, apesar do foco atual do presidente Donald Trump em deportar imigrantes ilegais da região e suas ameaças de aumentar tarifas e alterar a agenda climática.

Embora Trump tenha aparentemente priorizado as políticas de migração em seus primeiros dias de volta à Casa Branca – visando particularmente as nações latino-americanas mais “liberais” como parte dos esforços declarados para conter o crime organizado transnacional –, a região continua a desempenhar um papel vital na rivalidade comercial dos EUA com a China.

“Independentemente do foco de Trump na América Latina, não prevemos nenhum perigo significativo para os investimentos existentes ou em andamento, pois estes investimentos são críticos para os EUA também. Não acredito que haja uma ameaça ou risco específico para setores como mineração ou outros de importância”, disse à BNamericas Jorge Cantallopts, diretor do Centro de Estudos do Cobre e da Mineração (Cesco).

Em 2024, os EUA foram o maior investidor do Chile, contribuindo com US$ 20,5 bilhões e sendo energia e mineração os principais setores para capital estrangeiro, segundo a agência governamental InvestChile. Os EUA também lideram o investimento estrangeiro na América Latina, com um total de US$ 311 bilhões em 2023, com energia, tecnologia e minerais como principais impulsionadores, de acordo com um estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, atrelada à ONU).

Enquanto isso, as importações dos EUA da região aumentaram 6,7% no ano passado, mais que o dobro do crescimento visto em 2023, conforme observado em um relatório do BID.

América Latina: chave para a autossuficiência dos EUA

Trump prometeu reforçar os recursos energéticos domésticos – incluindo petróleo, gás, energia nuclear e carvão, bem como minerais críticos – por meio de políticas protecionistas destinadas a estimular o emprego local e reduzir a dependência de países como a China. No entanto, atingir a autossuficiência sem a cooperação da América Latina, uma região rica em matérias-primas, seria um desafio.

Embora os EUA tenham quebrado recordes na produção de petróleo no ano passado, novos aumentos na produção podem arriscar reduzir os preços, em um potencial desincentivo às empresas para escalarem sua produção. Quanto ao carvão, os EUA ainda importam volumes significativos da Colômbia e, em menor extensão, do Peru e do México.

Em relação a minerais críticos, os EUA continuam dependendo inteiramente de importações para 15 elementos-chave e de fontes estrangeiras para mais de 50% de outros 49, com dependência significativa da China. A América Latina serve como um fornecedor crucial para muitos desses recursos.

No ano passado, a China aumentou as tensões ao restringir as exportações de materiais como gálio, germânio e antimônio em meio à sua guerra comercial com os EUA, o que torna a mineração latino-americana uma aliada cada vez mais importante para garantir cadeias de suprimentos seguras – um fato imiscuído nas escolhas de Trump para cargos importantes, como Marco Rubio, Christopher Landau e Mauricio Claver-Carone.

Esses nomes, que desempenharam papéis importantes nas relações entre os EUA e a América Latina, se opõem fortemente à expansão dos investimentos e da presença militar da China no Hemisfério Ocidental, embora esta última permaneça principalmente indireta e focada na cooperação de defesa, vendas de armas e iniciativas de soft power.

Fortalecimento da integração econômica

Os EUA já tomaram medidas para reforçar a integração econômica com a América Latina e o Hemisfério Ocidental mais amplo. Iniciativas como a Americas Partnership visam promover a colaboração em áreas como economia digital e energia limpa com países como Chile, Colômbia, Peru, México, Equador e Panamá.

O Canal do Panamá e a estratégia geopolítica

Trump também expressou interesse em retomar o controle sobre o Canal do Panamá, tanto para salvaguardar o comércio dos EUA quanto potencialmente para interromper os crescentes laços comerciais da China com a América Latina. Os EUA continuam sendo o maior usuário do canal, respondendo por 72% do comércio marítimo global que passa por seus portos.

Espera-se que o lançamento das operações no porto peruano de Chancay, um projeto-chave da Nova Rota da Seda (BRI) promovida por Pequim, aumente o comércio entre China e América do Sul, especialmente em exportações agrícolas e minerais.

À medida que o gigante asiático consolida sua posição como o segundo maior parceiro comercial da América Latina, o governo Trump provavelmente verá a região como essencial para abordar questões de migração e combater a influência da China no hemisfério.

Essa estratégia geopolítica até inspirou a iniciativa do American Act – no momento pendente no Congresso dos EUA –, que é apoiado por senadores republicanos e democratas. Os objetivos declarados do decreto são: “Estabelecer uma parceria regional de comércio, investimento e pessoa a pessoa de países no Hemisfério Ocidental para estimular o crescimento, e a integração por meio do desenvolvimento viável do setor privado a longo prazo e para outros propósitos.”

Embora os temores dos oponentes de Trump de que ele desmantele as instituições democráticas nos EUA dificilmente se confirmem durante um único mandato de quatro anos, sua administração pode estabelecer as bases para reviver uma antiga visão americana: criar um continente unificado e próspero de norte a sul para as gerações futuras.