Venezuela: alívio de sanções não significa aumento na produção de petróleo
A flexibilização das sanções contra a Venezuela por parte de Washington é um primeiro e importante passo para a recuperação da economia venezuelana, dada a potencial expansão da produção petrolífera, que gera mais de 80% das divisas que entram no país.
No entanto, deve ficar claro que esta recuperação não será imediata e estará sujeita à melhoria das precárias condições políticas.
Em primeiro lugar, não se trata de um levantamento de sanções, mas sim de uma flexibilização temporária de seis restrições específicas por meio de licenças gerais em quatro áreas: financeira (títulos venezuelanos), mineira (comércio interno de ouro), hidrocarbonetos (produção e comércio de petróleo e gás) e aeronáutica (viagens para repatriar compatriotas).
Estas licenças melhoram a percepção do país ao permitir, por um lado, que pessoas jurídicas norte-americanas negociem títulos soberanos e da petrolífera estatal PDVSA em circulação, e estendem a licença de proteção da Citgo, subsidiária norte-americana da PDVSA.
“Isso significa que, durante três meses, a Citgo não poderá ser apreendida”, disse à BNamericas César Mata García, especialista em legislação e política petrolífera.
Estas licenças, válidas até 18 de abril de 2024, permitem que empresas petrolíferas estrangeiras realizem exploração, produção ou exportação de petróleo e gás; novos investimentos no setor de hidrocarbonetos; pagamento de faturas de bens e serviços; e pagamento da dívida com petróleo. As empresas russas estão expressamente proibidas de participar nestas áreas, devido às sanções aplicadas àquele país após a invasão da Ucrânia.
Isto significa que a Venezuela voltará a abrir as portas às empresas transnacionais, as quais poderão retomar parte do negócio petrolífero, com a única limitação de uma provável revogação das licenças conforme o compromisso político do governo de Nicolás Maduro, que no próximo ano enfrentará eleições presidenciais e parlamentares cruciais
Contudo, não é como se a produção de petróleo bruto aumentasse subitamente. “Quem conhece o setor petrolífero sabe que um plano de trabalho exige mais de seis meses e, embora por um lado seja um bom sinal, por outro não é uma verdade conclusiva”, acrescentou Mata, que também é ex-assessor do setor de energia e Comissão do Petróleo da Assembleia Nacional Venezuelana.
Rafael Quiroz Serrano, economista e especialista em petróleo da Universidade Central da Venezuela, acredita que, enquanto persistir a crise política que levou os EUA a aplicar sanções, é pouco provável que as grandes empresas petrolíferas e os investidores sintam confiança para regressar.
“Isso não é garantia de aumento da produção, que vem caindo desde 2005. As condições do país continuam as mesmas de antes de serem aplicadas”, afirmou, acrescentando que muitas das empresas que o governo hoje convida a retornar tiveram que deixar o país devido a condições comerciais adversas, após o Estado ter acumulado dívidas milionárias que não conseguiu cobrir.
Para insistir que os investidores necessitam de um ambiente de confiança que atualmente não existe, Quiroz salienta que, as empresas são “muito epidérmicas” e sensíveis às condições. “Sem uma mudança política e política, as petroleiras não virão”, disse.
O QUE VEM POR AÍ
É evidente que a flexibilização das sanções durante seis meses é um período experimental que permitirá às empresas interessadas “testar” o terreno e verificar as condições de uma indústria que há quase duas décadas apresentava os primeiros sinais de declínio.
O desvio de recursos, a perda de recursos humanos, a falta de investimentos para a manutenção básica das instalações e exploração e um quadro regulatório adverso são apenas parte dos males que a PDVSA enfrenta. Segundo estudos de diversas entidades estrangeiras, a estatal precisaria de cerca de US$ 210 bilhões nos próximos 10 anos para elevar a produção para 3 milhões de barris por dia (b/d).
“Se o país estiver realmente empenhado em reativar o setor, precisará realizar uma importante reforma regulatória, que envolve acabar com a participação acionária e o controle operacional que a PDVSA teve nas associações e rever a contribuição fiscal”, disse à BNamericas o economista Leonardo Vera, especialista no setor.
Ele também explicou que a transparência e a responsabilização por parte da PDVSA são essenciais para despertar o interesse dos operadores internacionais.
Segundo suas estimativas, na melhor das hipóteses, a Venezuela poderia aumentar a sua produção em cerca de 200 a 300 mil b/d em 12 meses, mas a duplicação levará pelo menos três anos. “Isto, claro, requer um ambiente de estabilidade política e econômica que o país ainda não possui.”
PRIMEIROS PASSOS
Apesar de tudo, a Venezuela começará a receber mais dinheiro pelos escassos 770 mil barris/dia que produz hoje, segundo dados da OPEP, já que não terá que vender com o desconto significativo aplicado para superar a rede comercial.
Na verdade, a cesta venezuelana, que hoje deveria estar sendo negociada entre 65/b (bolívares) e 72/b, está sendo negociada em torno de 20/b e 35/b abaixo desse valor, um desconto necessário para obter clientes dispostos a correr os riscos de comprar um produto sancionado, pagar intermediários e altos custos de transporte para China, Índia, Coreia do Sul, Itália, Irã e Rússia.
“A partir dessa medida será possível vender a um preço melhor e isto representa um pouco mais de recursos”, comentou Quiroz Serrano, que descarta que parte dos 670 mil b/d que são exportados possam ser entregues aos EUA ou a outros mercados mais próximos. “Todo esse petróleo já foi negociado, a maior parte para pagamento de dívidas”, acrescentou.
PRESENTE E CONSEQUENTE
Embora as licenças estabeleçam expressamente que as empresas russas não poderão beneficiar desta abertura, a verdade é que o país euro-asiático continuará a intervir sub-repticiamente no comércio petrolífero local e a ajudar a PDVSA a contornar as sanções por meio de triangulações complexas.
“As sanções não afetam de forma alguma as complicadas relações comerciais com a Rússia, que existiam e continuarão a existir diante das sanções”, concluiu Quiroz, reconhecendo que a situação na Venezuela teria sido muito mais difícil se não houvesse apoio russo.
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