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A agenda ocupada da indústria de telecomunicações no Brasil

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A agenda ocupada da indústria de telecomunicações no Brasil

As discussões no Brasil, tanto no Congresso quanto no Executivo e no Judiciário, abordam temas particularmente sensíveis para o setor de telecomunicações e podem afetar sua capacidade de investimento.

Há, por exemplo, um debate sobre as obrigações e valores do futuro leilão do espectro 5G , cuja receita também irá para a construção de uma rede ainda incerta para uso exclusivo do governo federal.

Também há discussões sobre a legislação dos municípios, já que muitos ainda possuem restrições à instalação de infraestrutura móvel, como antenas.

Outros temas incluem o fim das tarifas de roaming, bem como as reformas tributárias promovidas pelo governo federal, que podem impactar a carga tributária em setores como o de telecomunicações.

Ao todo, a agenda parece mais ocupada do que nunca. O BNamericas conversou com Marcos Ferrari, CEO da associação brasileira de telecomunicações Conexis Brasil Digital, para saber mais.

A Conexis reúne os seis maiores grupos de telecomunicações do Brasil - Telefônica Brasil , Claro , TIM , Oi , Algar e Sercomtel - para defender os interesses do setor.

BNamericas : Houve um impasse envolvendo governo e regulador Anatel , de um lado, e setor de telecomunicações e Tribunal de Contas do TCU , do outro, nos termos da licitação 5G, principalmente no que diz respeito às incertezas quanto ao financiamento de uma rede para o uso exclusivo do governo e financiamento para implantação de fibra na Amazônia. Essas questões já foram tratadas, do ponto de vista das operadoras?

Ferrari : O edital está em discussão há bastante tempo e não poderia ser diferente. Não estamos falando de uma licitação no valor de 1 bilhão de reais [US $ 192 milhões] ou 2 bilhões de reais, mas de um processo de licitação muito robusto [o espectro 5G é estimado em 44 bilhões de reais ou US $ 8,5 bilhões].

Trata-se de uma tecnologia que ampliará todas as formas de produção e de interação entre pessoas e empresas.

Sempre fomos muito abertos com o ministério e a Anatel para discutir os pontos que consideramos relevantes. O Tribunal de Contas do TCU também foi incrivelmente aberto conosco, nos ouvindo em audiências especiais.

O que deixamos claro é que, em primeiro lugar, é preciso ter todas as informações sobre ele de forma muito completa. Qualquer edital de licitação deve fornecer todas as informações necessárias para que os participantes possam tratá-lo. Esse é o básico.

Acredito que a partir dessas interações entre a agência [Anatel] e o TCU poderia haver mais completude e clareza quanto aos detalhes dessa rede privada [do governo federal], sobre como será sua governança, seu porte, quantos órgãos serão ligados isso, etc.

A mesma coisa com o PAIS [programa de fibra óptica para implantação de fibra subfluvial na Amazônia].

Concordamos com a proposta do governo de uma rede privada, entendemos suas preocupações em relação à segurança cibernética. E vamos participar do leilão e ajudar a construir essa rede. Mas há uma carência significativa de informações a respeito, que, no entanto, acredito será resolvida nas próximas semanas pelo TCU.

A estimativa é que o edital seja publicado em agosto. E assim que estiver, espero que saia completo.

BNamericas : E qual é o segundo ponto?

Ferrari : Um segundo ponto importante para nós na licitação é a avaliação das faixas do espectro e dos investimentos. A modelagem de precificação do leilão precisa levar em consideração que 5G não é nada parecido com 4G. É uma mudança de paradigma no modelo de negócios.

É uma tecnologia cuja proporção de B2B e de indústrias será muito maior do que em outras tecnologias. Assim, muitas são as variáveis que dependem não só da relação direta das operadoras com o consumidor, mas da relação de outros setores com os seus consumidores.

A Ericsson divulgou recentemente um relatório segundo o qual o custo do espectro para o PIB no Brasil é o mais alto do mundo. Isso nos deixa apreensivos porque os modelos de negócios 5G não têm um retorno econômico tão certo quanto o modelo B2C, o dominante no 4G.

Os países que colocaram um preço muito alto no espectro estão tendo dificuldades para adotar o 5G. Porque se você descapitalizar uma empresa desde o início, fica difícil para ela fazer investimentos.

BNamericas : A proposta da Anatel e do governo é que cerca de 80% do total a ser arrecadado na licitação seja convertido em investimentos pelas operadoras. Isso traz alívio para o setor?

Ferrari : Esse é o terceiro ponto. Como você sabe, há muito defendemos leilões que não tenham como foco a arrecadação de receitas. Ou seja, que vinham com obrigações de investimentos ao invés de arrecadação de recursos para o tesouro nacional.

Mas o problema é o que se entende por "obrigações". Defendemos que devem estar diretamente relacionados ao negócio das operadoras, para que os investimentos gerem retorno ao longo do tempo.

E isso não é apenas telecomunicações. Qualquer setor é assim. Haverá agora um leilão da ferrovia norte-sul do Brasil. As obrigações aí estão vinculadas ao negócio dos operadores ferroviários, eles consideram o ROI.

O fato de a licitação 5G não ter como objetivo levantar dinheiro para o governo é muito louvável. Temos que dar os parabéns ao governo, ao ministro [das comunicações] Fábio Faria e, pela renúncia à receita, ao ministro [da economia] Paulo Guedes.

Mas as obrigações precisam ser muito bem calibradas. Se estiverem bem calibrados e usando valores que possibilitem um plano de negócios sólido, ótimo. Algumas obrigações neste aviso, para conectar estradas, lugares que ainda não têm 4G, fazem sentido mesmo se não estiverem diretamente relacionadas ao 5G.

Deixe-me dizer isso. Existem basicamente três formas de levar a conectividade para qualquer lugar do mundo: via investimento privado, que é baseado na viabilidade econômica considerada pelas empresas; por obrigações em editais que incorporem políticas públicas; ou por política puramente pública, que no caso do Brasil é via FUST [fundo de universalização], para regiões que não são economicamente viáveis.

É assim que devemos olhar para as coisas.

BNamericas : Das três formas, o FUST permanece sem uso [desde sua criação, praticamente nenhum de seus recursos foi usado para programas de conectividade]. como isso pode ser resolvido? E você disse recentemente que o banco de desenvolvimento BNDES deveria ter um papel mais ativo no financiamento de projetos de telecomunicações. Como seria isso?

Ferrari : O FUST foi criado em 2001 para fazer políticas públicas e nunca foi usado até hoje para fazer políticas públicas. É um pouco surreal.

Quando somos chamados pelo congresso para explicar porque não tem ligação em certas regiões, a gente fala 'olha, tem um instrumento pra isso, é baseado em um modelo internacional, adotado por outros países, mas que [aqui] não tem aplicado '.

Não é culpa dos operadores. Foi o poder público que não fez uso de seus instrumentos de política pública para levar conectividade a locais de baixa viabilidade econômica.

Sobre o BNDES, temos que levar em consideração que o 5G tem essa abordagem B2B2C.

Ter um modelo de financiamento híbrido para este 'B' no meio é uma forma de o governo avançar ainda mais na expansão do 5G. O BNDES já lançou uma linha para indústria 4.0, isso é ótimo. Seria bom ter linhas para ajudar a conectar as áreas rurais. Ou talvez um para os municípios adotarem cidades inteligentes.

Não estou falando de recursos públicos puramente, mas de modelos híbridos, onde o BNDES coloca um pedaço de dinheiro público combinado, por exemplo, com o mercado de capitais, com debêntures, com um pool de bancos privados. Uma combinação de financiamento para viabilizar o negócio 5G. Não para operadoras, mas para pequenas e médias empresas. Para o segundo 'B', principalmente.

BNamericas : Falando em demandas do setor, a lei geral de antenas , aprovada há anos, ainda não deu frutos. Um decreto foi emitido para regulamentar seus termos, mas a maioria dos municípios ainda não adaptou sua legislação para facilitar a implantação de antenas. Como você vê esse problema?

Ferrari : Eu estava no governo quando a lei foi aprovada, em 2015. Para mim, naquela época era algo que já estava resolvido. Nova lei, ótimo. Quando cheguei aqui, para o setor privado, vi que ainda não tinha sido regulamentado. Havia uma lei, mas faltavam detalhes. Trabalhamos para isso. E no ano passado foi regulamentado por decreto.

A lei e o decreto resolvem muitas coisas, como o compartilhamento de infraestrutura, entre outros.

Mas, no que diz respeito às antenas, não foi possível implantar, na época da lei, o instrumento do ' silêncio positivo'. [Silêncio positivo se refere ao licenciamento tácito. Quando os municípios não respondem aos pedidos de licenças de antenas dentro de um determinado período, a licença é considerada automaticamente aprovada.]

Havia um defeito original, uma questão constitucional na lei naquela época, quando a Anatel foi delegada a tarefa de emitir a licença no contexto do silêncio positivo. Isso violou a constituição, visto que o uso e ocupação do solo é uma atribuição municipal.

Por isso a presidente Dilma [Rousseff] teve que vetar o instrumento ao assinar a lei.

Mas devemos acelerar permitindo. O Brasil tem mais de 5.500 municípios e cada município tem uma abordagem para antenas.

Apoiamos o projeto do parlamentar Vitor Lippi, em tramitação no Congresso, que altera a lei geral de antenas e restabelece o silêncio positivo, mas sem os problemas constitucionais, delegando a aprovação aos municípios.

Isso deve fazer com que a lei de antenas ganhe força.

Outra forma de resolver a questão de infra é fazer o que foi feito com a nova lei de saneamento, para o setor de saneamento: criar incentivos para que os municípios adotem uma legislação mais moderna. No nosso caso, para antenas.

BNamericas : Como seriam esses incentivos?

Ferrari : Seria como uma classificação atrelada ao financiamento. Os municípios que atendem a certas diretrizes da Anatel para regulamentação de antenas receberiam classificações extras em uma classificação geral para receber fundos.

BNamericas : Essa proposta já foi levada a congresso?

Ferrari : Ainda não. Estamos ajustando-o internamente antes de levá-lo adiante.

BNamericas : Por que a indústria de telecomunicações se opõe ao fim das tarifas de roaming entre Brasil e Chile [a medida faz parte de um TLC bilateral aprovado pelo Congresso]. Não será benéfico para os usuários?

Ferrari : Será benéfico para os usuários que viajam para o Chile, que é uma pequena parcela da população. Os custos eliminados recairão sobre todos os outros usuários. O consumidor que não viaja vai subsidiar quem viaja.

Uma coisa é sentar-se com empresas dos dois países para negociar o fim da cobrança, as adaptações que serão necessárias.

O fim do roaming na Europa levou 10 anos para ser totalmente implementado. E isso em um mercado onde existe moeda única, estabilidade fiscal e juros baixos.

No nosso caso, o fim do roaming nos foi imposto. Foi concedido aos operadores um período de adaptação de um ano. Isso em um contexto de alta volatilidade entre as moedas dos dois países e também em relação ao dólar, de cargas tributárias distintas e significativas - nossa carga tributária é muito superior à do Chile - e em um contexto de fraca estabilidade fiscal.

BNamericas : A carga tributária é uma reclamação antiga do setor no Brasil. Sobre isso, as operadoras se opõem à reforma tributária em duas fases proposta pelo governo [a primeira fase unifica alguns impostos federais para criar um único imposto sobre bens e serviços, chamado CBS, enquanto a segunda fase é voltada para o imposto de renda pessoa jurídica e propõe a tributação dividendos distribuídos por grandes empresas, além da extinção do instrumento de juros sobre capital próprio]. Qual é o problema neste caso?

Ferrari : Ambas as fases da proposta do governo são ruins.

A primeira fase acaba aumentando a carga tributária e, novamente, o consumidor será prejudicado.

A fase dois, ao chegar ao Congresso, aumenta a alíquota do imposto de renda pessoa jurídica, que já é alta no Brasil em 34%, uma das mais altas do mundo, para uma alíquota efetiva composta de 43,2%.

A proposta também acaba com os JCP [juros sobre capital próprio], que é outra forma de distribuir os lucros aos acionistas, sem sequer avaliar o resultado dessa política pública. O JCP foi criado em 2006 justamente para estimular o investimento empresarial via dívida.

Não concordamos com a forma como as propostas foram enviadas e levamos essas críticas ao governo, aos legisladores.

Isso prejudica o consumidor, prejudica as empresas e prejudica o futuro do país. Enquanto outros países estão reduzindo a carga tributária sobre a banda larga móvel, o Brasil está, com essas medidas, aumentando-a. É surreal.

BNamericas : Quais são as perspectivas do setor para amenizar esses impactos com o governo e o Congresso?

Ferrari : Sobre a CBS, já temos indícios de que haverá uma tarifa diferenciada para o nosso setor, o que é razoável. Se antes pagássemos entre 5 a 6% [dos impostos federais] PIS e Cofins, um CBS de 12% não seria aceito. Deve ser algo neutro, em torno de 5% ou 6%.

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