Argentina aposta na liberdade: do autoabastecimento a uma economia aberta
A Argentina de um modelo centrado no autoabastecimento para adotar uma economia mais aberta ao setor privado, visando impulsionar a produção e exportação em setores-chave como hidrocarbonetos, energia e mineração.
O governo de Javier Milei focou na Lei de Bases e no Regime de Incentivos para Grandes Investimentos (RIGI), que oferece uma série de benefícios fiscais, cambiais e estabilidade regulatória por 30 anos.
Os investidores estão otimistas e a sociedade aguarda o aumento de receitas, empregos e desenvolvimento industrial. No entanto, há desafios no caminho e as consequências provavelmente recairão sobre o próximo governo.
Sobre esses aspectos, a BNamericas conversou com Juan José Carbajales, ex-subsecretário nacional de Hidrocarbonetos e atualmente diretor do Instituto Argentino de Gás e Petróleo Igpuba. Ele também é o responsável pela consultoria Paspartú.
BNamericas: Você acredita que o RIGI será o motor dos investimentos e das exportações?
Carbajales: Sem o RIGI, isso seria impossível. A Lei de Bases e o RIGI oferecem uma série de benefícios fiscais, tributários e cambiais, além de estabilidade e permissões de exportação por 30 anos, prazo que pode ser estendido por mais 20 anos em alguns casos. Além disso, a partir do terceiro ou quarto ano, é possível utilizar até 100% das divisas geradas pelas exportações para dispô-las no exterior.
Também há facilidades para a importação de maquinários e insumos sem a necessidade de abastecimento interno, e a possibilidade de resolver disputas por meio de arbitragem no exterior. O RIGI está perfeitamente adaptado para os investidores.
BNamericas: Qual é o foco do RIGI?
Carbajales: O foco está nos recursos naturais, especialmente em energia e mineração. Dentro de energia, o regime cobre todos os setores, como upstream, midstream, oleodutos, gasodutos, plantas de tratamento, plantas de compressão, plantas de separação de gás para gás liquefeito de petróleo [GLP] e planta de liquefação para gás natural liquefeito [GNL].
Ou seja, toda a cadeia de valor é incentivada pelo regime e, ao mesmo tempo, está livre de obstáculos.
BNamericas: A regulamentação do RIGI aumentou os valores mínimos de investimento para projetos de hidrocarbonetos, com algumas distinções. Poderia explicar?
Carbajales: Em alguns casos, o valor mínimo de US$ 200 milhões por projeto foi mantido, mas houve distinções no upstream de petróleo e gás para priorizar projetos voltados para exportação. No gás, foi feita uma distinção entre exportação para mercados regionais, via gasodutos, e liquefação para venda externa, como o GNL. Nestes dois últimos casos os valores foram aumentados.
No primeiro caso, em US$ 300 milhões e no segundo, em US$ 600 milhões. Neste último subsetor discrimina-se se o objetivo será conquistar novos mercados porque, por exemplo, a exportação para o Chile não é novidade, pois já foi feito.
Por outro lado, o GNL representa uma novidade para a Argentina, que teve apenas uma pequena experiência com a YPF em 2019, isso não foi sistêmico.
BNamericas: Em que se baseia a abordagem de priorização para exportações?
Carbajales: O RIGI tem um capítulo denominado “projeto de exportação estratégica de longo prazo” que visa projetos com um investimento mínimo de US$ 2 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão deve ser investido no primeiro ano e o restante no segundo ano. Em geral, todos os projetos são obrigados a investir 40% nos primeiros dois anos. O foco está na realização imediata.
BNamericas: Uma das críticas ao RIGI é que ele não considera benefícios para projetos de investimento abaixo de US$200 milhões, o que exclui iniciativas menores, como melhorias ou continuidade operacional na mineração.
Carbajales: É verdade, mas um projeto pode ser composto por várias unidades produtivas e ativos diferentes, cada um podendo ser menor que US$ 200 milhões, desde que haja uma unidade sistêmica. Também há um requisito de proximidade, como no caso de um depósito e uma planta de processamento que precisam estar próximos.
BNamericas: Outro ponto controverso é a exigência de contratar fornecedores locais, o que pode dificultar a troca de experiências e a contratação de mão de obra especializada.
Carbajales: A contratação de fornecedores locais deve representar até 20% do investimento, mas fala de número de funcionários.
A crítica está na tecnologia; o regime não se destina a promover o desenvolvimento tecnológico, a transferência de know-how ou questões de sustentabilidade, como o nível de emissões e melhoria da eficiência.
Embora esses aspectos tenham sido debatidos durante a elaboração da lei, não foram refletidos no texto.
BNamericas: Como será gerenciada a falta de infraestrutura necessária para o desenvolvimento industrial?
Carbajales: Esse é o grande calcanhar de Aquiles: a infraestrutura de base, oleodutos, gasodutos, estações de tratamento e o projeto de liquefação de GNL da YPF e da Petronas, etc. É por isso que os investimentos são de grande escala e de longo prazo, uma vez que as condições atuais não são adequadas para essa magnitude.
O projeto de GNL anunciado pela YPF e Petronas será acelerado pelo RIGI, assim como os projetos de mineração de cobre que estavam planejados, mas não tinham decisão de investimento, diferentemente do litio, que já conta com muitos projetos em desenvolvimento.
À medida que o programa for desenhado, o governo poderá apresentar investimentos rápidos, mas o grande desafio estará no próximo governo, já que as obras e a inauguração das plantas ocorrerão posteriormente.
O regime terá duração de 30 anos e, uma vez que um projeto seja aprovado, as regras não poderão ser alteradas. Antes a regra era suprir a demanda local e depois exportar, fórmula que foi substituída por um novo paradigma voltado para a livre exportação, produção livre e liberdade na fixação de preços.
BNamericas: Como surgiu esse novo paradigma?
Carbajales: Da abundância de [formação de hidrocarbonetos de xisto] de Vaca Muerta. Temos recursos suficientes para atender nossa demanda interna e, ao exportar, geraremos os dólares que a economia precisa.
BNamericas: Quais desafios o RIGI representará para o próximo governo?
Carbajales: Ao conceder estabilidade por 30 anos, o RIGI se torna uma política de Estado que transcende as administrações. Vejo com preocupação a exigência de investir 40% nos dois primeiros anos e começar a operar apenas em três ou seis anos. Isso indica que não haverá mais investimentos após esse período, pois as obras já estarão concluídas.
Vivemos isso com a mineração argentina, cujo setor também teve um regime de estabilidade de 30 anos criado na década de 1990. Outro desafio será não alterar as regras no meio do caminho e desenvolver a infraestrutura necessária.
BNamericas: Não seria necessário um planejamento nacional para organizar o desenvolvimento industrial esperado?
Carbajales: A Lei de Bases é um regulamento de desregulamentação. Neste contexto, o Estado retira-se de diversas funções e é o setor privado que entra em campo. Isso significa que, se houver planejamento, ele não partirá do Estado, mas sim da indústria, da iniciativa privada e do mercado que o administrarão.
O governo argumenta que o mercado é mais eficiente na alocação de recursos e que a soma das iniciativas individuais permitirá o avanço das obras.
BNamericas: Por que o projeto de GNL promovido pela YPF e Petronas é fundamental?
Carbajales: A resposta está em Vaca Muerta, que hoje representa mais de 50% da produção e do consumo interno de petróleo e gás natural. Quando falamos em gás natural, também nos referimos à energia elétrica, pois 60% da eletricidade é gerada a partir de fontes gasosas e térmicas. A economia argentina gira em torno de Vaca Muerta, cujo potencial é ilimitado e supera a demanda local em mais de 100 anos.
A plant de GNL é importante porque, em primeiro lugar, é liderada pela YPF, que é a maior produtora de hidrocarbonetos e, ao mesmo tempo, é uma empresa mista com 51% de propriedade estatal. Este projeto está planejado como uma iniciativa abrangente, em nível nacional, e agora se abre para o resto da indústria, tendo a Petronas como parceiro estratégico.
A produção é necessária para o restante da indústria. Para isso, foram planejados três gasodutos principais entre Neuquén e a costa atlântica, e será construída uma planta de liquefação que, em uma fase inicial, contará com dois navios flutuantes para liquefação. Um será destinado à YPF e à Petronas, e o outro atenderá o restante da indústria. Este projeto representará um avanço significativo na qualidade da produção de gás. A YPF pretende dobrar a produção atual, adicionando entre 80 milhões e 100 milhões de metros cúbicos diários.
No ano passado, a grande obra foi a expansão do gasoduto Néstor Kirchner, com o primeiro trecho concluído e o segundo trecho planejado, incluindo a reversão do gasoduto Norte e das plantas compressoras.
Se a Argentina seguir com todas as medidas necessárias e tomar a decisão final de investimento, prevista para a metade de 2025, estamos falando de um projeto de 30 anos que permitirá ao setor energético contribuir com US$ 30 bilhões anuais para a economia.
BNamericas: debate sobre a localização da planta de liquefação foi finalizado? Em algum momento se considerou Buenos Aires como uma possibilidade?
Carbajales: No ano passado, a YPF anunciou que a planta seria em Buenos Aires e até reservou terrenos, mas com a mudança no governo nacional e nas autoridades da YPF, foram discutidas outras duas localizações: Bahía Blanca, em Buenos Aires, e San Matías, em Río Negro.
Com a aprovação da Lei de Bases, o debate passou a ser sobre qual província aderiria ao RIGI, e como a província de Buenos Aires foi relutante, a YPF e a Petronas rapidamente decidiram optar por Río Negro, que já havia aderido à lei e ao regime.
BNamericas: Por que é importante que a adesão das províncias ao RIGI?
Carbajales: Embora sejam os projetos que façam adesão ao RIGI e quem concede a autorização seja o Estado nacional, a importância da adesão das províncias é para obter benefícios adicionais, como impostos sobre a receita bruta, selo, tributos locais, etc.
Por outro lado, a adesão provincial também garante a impossibilidade de alterar regras ou impor novos impostos.
BNamericas: É verdade que a YPF pretende alienar seus negócios de lítio para se concentrar em GNL e hidrocarbonetos?
Carbajales: A YPF tem um projeto de exploração em Catamarca e, por meio da Y-TEC, possui um laboratório na cidade de La Plata e em Jujuy avançou em uma parceria com uma empresa chinesa para desenvolver componentes e cátodos para baterias de íons de lítio. Esses foram os primeiros passos e talvez uma das poucas ações em que se encontra uma articulação entre nação e província; algo que as regiões mineradoras do noroeste onde há lítio [Salta, Jujuy e Catamarca] tentaram articular com o Estado nacional.
A YPF pretende focar em negócios que gerem mais rentabilidade. Pela primeira vez, a YPF exportará petróleo bruto, o que já exporta para o Chile através do oleoduto transandino. Portanto, está interessada em potencializar a produção e exportação.
Atualmente está construindo Vaca Muerta Sur e conta com o projeto Argentina GNL, além da subsidiária YPF Luz para projetos renováveis e de geração de energia elétrica. Por isso, afirma-se que a empresa se focará em seus objetivos convencionais onde há rentabilidade garantida, e isso tem nome e sobrenome: Vaca Muerta.
BNamericas: E quanto à petroquímica? Também será impulsionada pelo RIGI?
Carbajales: Tudo está preparado para que isso aconteça, para industrializar tanto os produtos petroquímicos como os fertilizantes, especialmente porque os países da região estão em déficit. Portanto, há mercados a serem atendidos. O mesmo acontece com o GLP, gás de cozinha, pois o Chile e outros países da região importam GLP.
BNamericas: As obras públicas desaceleraram no primeiro semestre após o governo parar de destinar recursos públicos, o que levou empresas como as siderúrgicas Tenaris e Acindar a paralisarem temporariamente suas fábricas.
Carbajales: O governo foi enfático ao interromper as obras públicas como parte das suas medidas de ajuste e cortes. Isso afetou o setor siderúrgico e também impactou a construção e as províncias.
Devido às urgências, o governo nacional começou a negociar com os governadores provinciais, já que havia obras muito avançadas e era mais caro interrompê-las do que concluí-las. Essa visão maximalista do início está sendo revisada, embora a prioridade do governo continue sendo reduzir a inflação, e é possível que as obras públicas não tenham o mesmo impacto que tiveram em governos anteriores.
BNamericas: Qual será o papel do comitê avaliador de projetos do RIGI?
Carbajales: A aplicação do RIGI depende do Ministério da Economia, que delegou a função a este comitê consultivo que avaliará os projetos e recomendará quais aprovar ou rejeitar. Esperamos que não seja muito burocrático.
BNamericas: Quais são os eixos da Lei de Bases sobre os hidrocarbonetos?
Carbajales: Dentro dos 200 artigos, uma grande parte é ocupada pelo RIGI, mas há dois capítulos que modificam o regime de hidrocarbonetos e, por outro lado, o regime do gás natural, do setor elétrico e das empresas públicas.
O regime de hidrocarbonetos é o mais importante porque rompe com a regra histórica do autoabastecimento e faz isso proibindo o Estado de conceder autorizações para exportação. Assim, tanto a produção quanto a exportação e a definição de preços passam a ser livres. Com isso, será possível exportar petróleo e gás a longo prazo de forma livre.
BNamericas: Existem riscos com essa desregulamentação dos hidrocarbonetos?
Carbajales: Pode ocorrer uma certa escassez no mercado interno porque todas as empresas estarão focadas na exportação, e se, ao exportar, os preços internacionais forem mais altos, esses valores serão repassados ao mercado interno, resultando em um aumento nos preços locais.
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