Batalha de gigantes: operadoras de telecomunicações versus big techs
Quem deve pagar a conta dos investimentos em redes de telecomunicações? Qual é o valor total desses investimentos? Quem produz conteúdo e gera tráfego está contribuindo de maneira adequada para esse ecossistema?
Essas são as questões centrais que alimentam a disputa por uma “fair share” entre as grandes empresas de telecomunicações e as grandes empresas de tecnologia. As operadoras argumentam que as empresas de tecnologia e Internet são as maiores geradoras de tráfego e conteúdo, mas que são as operadoras que arcam com o ônus de investir em redes.
Por outro lado, as empresas de tecnologia afirmam que já estão investindo em datacenters, cabos e redes de entrega de conteúdo, enquanto as operadoras, na realidade, diminuíram seus investimentos e a relação entre capex e receita, apesar do crescimento na receita. Elas também alegam que qualquer cobrança adicional impactaria todo o ecossistema e seria repassada aos clientes finais.
A controvérsia é global. Pelo segundo ano consecutivo, esse foi um dos temas mais debatidos na conferência Futurecom em São Paulo, assim como em eventos de telecomunicações do México à Colômbia. No Brasil, os dois lados estão em uma “guerra” de estudos e análises para corroborar seus próprios argumentos.
Marcos Ferrari, presidente-executivo da associação brasileira de empresas de telecomunicações Conexis, que representa as maiores operadoras do país, conversa com a BNamericas sobre os últimos episódios dessa saga.
BNamericas: As operadoras alegam fornecer detalhes de seus investimentos, tendo reportado R$ 35 bilhões (US$ 6,2 bilhões) em capex no ano passado no Brasil, enquanto as big techs não divulgam os seus próprios. No entanto, elas têm feitos anúncios de investimentos em datacenters, cabos submarinos e outras estruturas de rede.
Ferrari: Qual é esse número? Quanto exatamente elas investem? Nós não sabemos quanto as big techs investem. Nós do setor somos empresas de capital aberto e divulgamos resultados, fazemos call com investidores. São investimentos discriminados, colocados a público.
Falar que a nossa receita está subindo, não condiz com a realidade. Os estudos que foram apresentados, que eles [big techs associations] fizeram com base no nosso setor, são problemáticos.
Um estudo que faz um modelo de projeção de receitas e uso de dados de 10 anos, usando cinco observações e parâmetros, sem considerar eventos como a pandemia e fatores como a IA, tem valor estatístico nulo. Tem um distorção temporal aí.
Então, se for para discutir números, vamos discutir números de verdade, não fictícios.
BNamericas: Algumas das principais associadas da Conexis, como a Telefônica, têm como meta reduzir a relação capex por receita. Ou seja, investir menos. E as receitas têm de fato subido. Como você avalia isso?
Ferrari: Existe um processo cíclico, que é o outro erro do modelo que eles apresentam.
É um modelo linear para um setor que não é linear. O setor é disruptivo a vários momentos do tempo, em intervalos curtos.
O que acontece com a relação capex por receita? Ela é flutuante. Em momentos de lançamento de uma nova tecnologia, essa relação sobe, chega a 21%, 22%, depois ela vai se acomodando e já vem um outro ciclo. Então, ela volta de novo para 20, 21, como em meio a investimentos do 5G, e vai se acomodando para um nível médio de 18%, 19%.
BNamericas: O grupo a que pertence o maior operador do Brasil tem uma meta bem menor que essa, de 13% de capex por receita.
Ferrari: Isso é conjuntural. Temos que pensar de um ponto de vista estrutural. Quando você pega os dados de receita líquida do setor, de capex por receita líquida, não é algo linear. Você não pode fazer um modelo linear, nunca, para daqui a 10 anos, usando cinco observações. É coisa básica de estatística.
BNamericas: A AIA [Aliança pela Internet Aberta, associação de grandes empresas de tecnologia criada no Brasil] alega que os números que vocês apresentaram no estudo estão tarjados, não estão acessíveis para verificação.
Ferrari: O que nós divulgamos são os dados possíveis de serem divulgados. E aqueles que não foram divulgados, é porque existe uma governança e são informações financeiras sensíveis envolvendo cada operadora.
Mas todas as informações foram devidamente disponibilizadas às agências e órgãos competentes. Nós estamos sendo transparentes nesse debate.
BNamericas: Há um impasse forte em torno da cobrança de uma chamada taxa de rede para empresas de tecnologia. O setor de telecomunicações tem um plano B ou plano C para essa questão?
Ferrari: Existe um problema claro. Há um problema de investimento na rede. São demandados cada vez mais recursos para se dar conta da estrutura de Internet devido a conteúdos e dados crescentes, que não são gerados pelas operadoras.
Nós colocamos uma proposta. Não quer dizer que não há outras propostas a considerar. Estamos trazendo uma sugestão.
BNamericas: Certo, mas e se sugestão for inviabilizada? Vocês têm uma outra proposta, outro caminho possível?
Ferrari: Vamos ouvir os setores. Eu acho que as plataformas podem apresentar propostas para a questão. Os pequenos provedores podem apresentar propostas. O regulador pode apontar que irá a outro sentido.
A legislação e a regulação brasileira são insuficientes para as big techs. É um problema moderno no qual nós somos uma parte. Estamos ali para colaborar com o debate.
BNamericas: Em relação às taxas de rede, as big techs afirmam que não há muitos casos no mundo e, dentre os poucos que há, como no caso da Coreia do Sul, houve aumento de preço ao consumidor final e fuga de empresa. Como você avalia isso?
Ferrari: Em alguns mercados onde esse modelo foi adotado de fato tivemos alguns problemas, como na Coreia do Sul. Mas nem todos. Na Alemanha a Deutsche Telekom venceu na justiça a Meta.
Em sua última carta aberta à União Europeia, eles apresentaram uma proposta que é mais ou menos o que estamos propondo aqui, que é deixar que as partes, de maneira livre e competitiva, definam como usar a rede. E caso haja algum conflito, que aí sim, teria um poder regulador para arbitrar o tema.
[Nota da BNamericas: as operadoras de telecomunicações da UE assinaram em 2023 uma carta enviada à Comissão Europeia exigindo que as empresas de tecnologia paguem taxas de rede]
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