Como a Costa Rica pode superar a estagnação de sua infraestrutura de transportes?
O setor de infraestrutura da Costa Rica atualmente enfrenta uma paralisia de origem multifatorial, resultando em cancelamentos e atrasos em diversas iniciativas de transporte e rodoviárias.
Além disso, desde a promulgação da lei que autoriza parcerias público-privadas (PPP) em 1998, apenas três contratos desse tipo foram assinados.
A BNamericas conversou com o consultor independente Gustavo Ortiz, especialista em desenvolvimento e financiamento de projetos, que aborda as reformas necessárias, incluindo a participação do setor privado e da sociedade.
BNamericas: Quais são os subsetores de infraestrutura que requerem atenção urgente na Costa Rica?
Ortiz: Sem dúvida, é o setor de transportes e rodovias. A Costa Rica está entre os países com pior infraestrutura rodoviária. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, ocupamos a 117ª posição entre 141 países avaliados. E em termos de lentidão nas estradas, ocupamos a 144ª posição entre 162 países.
A falta de um sistema de transporte público eficiente levou uma grande parte da população a depender de veículos particulares como única opção de transporte eficiente, o que gerou um sério problema de congestionamento.
Isto não pode ser resolvido apenas com mais estradas, porque não é uma solução de longo prazo para o problema. Não há espaço disponível e é economicamente inviável. Para evitar que o caos veicular paralise a grande área metropolitana em poucos anos, é fundamental colocar o transporte público de massa (trens e ônibus) como elemento central e prioritário da mobilidade urbana.
BNamericas: Quais são os desafios enfrentados atualmente no desenvolvimento de projetos?
Ortiz: São vários, mas os principais são o efeito negativo do ciclo político de mudanças na administração durante o planejamento e execução de projetos de infraestrutura que ultrapassam os 4 anos de uma administração. Além disso, a falta de planejamento a longo prazo e a falta de transparência e prestação de contas.
Por exemplo, nos últimos 20 anos o país teve 14 ministros dos Transportes. Isso significa que um ministro dura em média 1,42 ano. Os projetos realizados duram entre 8 e 11 anos, resultando em uma média de 6 a 8 ministros envolvidos. O Conselho Nacional de Estradas de (Conavi) teve 11 diretores nos últimos 12 anos e o Conselho Nacional de Concessões (CNC) teve 8 secretários técnicos nos últimos 7 anos.
Cada vez que ocorre uma mudança na administração ou no ministro, o progresso de um projeto não é mantido ou existe uma tentativa de mudar o que já foi feito. Isso significa que é preciso começar do zero ou mudar o conceito do projeto, causando atrasos dentro de círculo vicioso. As 13 versões existentes do trem elétrico de passageiros são a melhor prova disso.
BNamericas: Como os projetos poderiam ser protegidos para que sobrevivam aos ciclos políticos?
Ortiz: Criando um sistema eficiente de planejamento e gestão de infraestrutura e eliminando más práticas políticas, como o desejo de crédito político, começar sem liberar o direito de passagem, não dar continuidade aos projetos, não basear as decisões em critérios técnicos ou em uma visão de longo prazo, falta de transparência e prestação de contas, entre outros. Enquanto essas práticas não forem eliminadas, não conseguiremos ter infraestrutura de qualidade.
O secretismo que prevaleceu na Costa Rica nas últimas décadas serviu apenas para esconder a improvisação, a negligência e a corrupção.
BNamericas: Você mencionou improvisação, negligência e corrupção. Você acha que esses são aspectos presentes no sistema atual?
Ortiz: Totalmente.
BNamericas: Quais projetos estão mais atrasados e precisariam ser construídos com urgência?
Ortiz: São vários, mas podemos citar três projetos que o país espera há décadas.
A nova rodovia de 45 km [de San José] a San Carlos começou a ser construída em 2005. Embora pareça improvável, está em construção há 19 anos. Se tivessem sido construídos 2,4 km por ano, ela já estaria concluída.
Até o momento, 15 administrações e 25 ministros dos Transportes estiveram envolvidos no projeto. O Ministério dos Transportes e Obras Públicas (MOPT) estima que a obra estará pronta em 2026 e, se isso se confirmar, terá levado 21 anos para ser construída e 57 anos desde seu planejamento.
A ampliação da rodovia San José-San Ramón está há 28 anos sem conseguir ser executada. Este projeto passou por 8 administrações e 17 ministros dos Transportes. Sem uma justificativa adequada, o custo do investimento passou de US$ 266 milhões (em 2005) para US$ 650 milhões (em 2013) e os pegágios triplicaram.
Quatro empresas diferentes tentaram realizar o projeto através de concessão. Houve aumento milionário de custos, atrasos, emendas ao contrato de concessão, protestos das comunidades próximas ao projeto, rescisão antecipada do contrato de concessão, solicitada pelo Estado, indenizações à concessionária, e até uma tentativa de executar o projeto por meio um fundo fiduciário, que também falhou, sendo a quinta tentativa fracassada de desenvolvê-lo.
O trem elétrico de passageiros para a grande área metropolitana está em planejamento há 39 anos. Até o momento, houve 13 versões diferentes do projeto. Diversas vezes modificaram o tipo de trem a ser desenvolvido (em nível superficial ou elevado), bem como o desenho, se será de via única ou dupla e se o projeto será desenvolvido em uma ou várias etapas, entre outros aspectos. Ele esteve sob a responsabilidade de 11 administrações e 21 ministros dos Transportes.
BNamericas: Você acha que as PPPs têm sido utilizadas o suficiente?
Ortiz: Não, e esta é precisamente uma das causas da grande lacuna de infraestrutura na Costa Rica.
O Chile implementou 110 contratos de concessão e a Colômbia 129 contratos nos últimos 30 anos, enquanto a Costa Rica, em 26 anos de existência da sua lei de concessões, assinou apenas 3 contratos: a concessão da Rota 27, que é uma rodovia; o aeroporto de Libéria e a concessão de contêineres do Puerto Moín.
Novamente, o problema está na gestão. Não compreendemos que é impossível para o país, dado o seu elevado nível de déficit fiscal, financiar com recursos públicos os grandes projetos necessários de infraestrutura. Só com a participação do setor privado o país conseguirá reduzir a sua grande lacuna de infraestrutura, mas para isso devemos reestruturar o programa de PPP.
BNamericas: Como deveria ser esta reestruturação?
Ortiz: Entre as principais mudanças necessárias está a separação das funções do ministro dos Transportes das dos diretores do Conavi e do CNC, para que deixem de ser seus subordinados.
O ministro dos Transportes tem um papel político e se dedicaria principalmente a ser o representante do governo no conselho de administração; garantir o bom desempenho da instituição; propor projetos para inclusão na carteira de projetos prioritários; desenvolver políticas setoriais; assegurar que a nova entidade tenha os recursos técnicos, humanos e financeiros necessários para sua gestão adequada; defender o orçamento do governo para manutenção de ativos e desenvolvimento de novos projetos; e coordenar a relação entre diferentes entidades.
O diretor do Conavi teria uma função técnica focada, principalmente, no planejamento de longo prazo das necessidades de infraestrutura (de 20 a 50 anos); gerenciar planos de manutenção de longo prazo; desenvolver novos projetos de infraestrutura rodoviária; gerenciar o portfólio de novos projetos; desenvolver um ciclo de projetos com acompanhamento obrigatório; criar uma organização permanente e competente; prestar contas; criar uma base de dados pública de investimentos em infraestrutura; e implementar uma política de total transparência e combate à corrupção.
Para evitar que o ciclo político e as más práticas políticas afetem o planejamento e a execução dos projetos, o setor privado e os cidadãos devem participar do seu conselho de administração. É essencial que o conselho de administração seja composto por um número igual de membros do setor público (por exemplo, ministro dos Transportes e ministro do Planejamento) e do setor privado e da sociedade (por exemplo, dois membros nomeados pelo Colégio Federado de Engenheiros e Arquitetos [CFIA] e pela União Costarriquenha de Câmaras e Associações do Setor Empresarial Privado); e que as decisões sejam tomadas por maioria simples, sem voto de desempate. Isto garantirá que o diretor do Conavi não fique à mercê do governo em exercício, mas responda ao conselho de administração como um órgão colegiado independente e imparcial, que não seja afetado por oscilações políticas.
Os dirigentes do Conavi e do CNC devem ser nomeados por concurso público, de forma que seja garantida a objetividade na sua eleição e a seleção do melhor candidato, acabando com as “eleições por indicação” que historicamente tivemos. O conhecimento necessário para planejar e executar grandes projetos de infraestrutura é altamente especializado e exige treinamento retenção de pessoal ao longo do tempo. Para isso, é necessário ter pessoal bem remunerado.
O estudo da reestruturação necessária do Conavi e do CNC deverá ser realizado por um banco de desenvolvimento que constitua um grupo de consultores encarregados de projetar as novas entidades, acompanhando as alterações identificadas como necessárias, com supervisão de um comitê formado por representantes do setor público e privado.
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