Como o Brasil está pronto para exportar hidrogênio para a Europa
A Comerc Eficiência e a Casa dos Ventos assinaram recentemente um pré-contrato com o complexo de Pecém, no Ceará, para a construção de uma planta de produção de hidrogênio e amônia, com a primeira fase prevista para entrar em operação em 2026.
O empreendimento está em fase de licenciamento ambiental e projeto básico antes da implantação, a qual será dividida em etapas.
Quando estiver operando a plena capacidade, o empreendimento terá capacidade de eletrólise de até 2,4 GW, produzindo mais de 1.000 t/d de hidrogênio e possibilitando a entrega de 2,2 Mt/a de amônia verde.
No mês passado, as empresas assinaram um memorando de entendimento com o Porto do Açu para desenvolver projetos industriais verdes baseados em hidrogênio no estado do Rio de Janeiro.
Marcel Haratz, presidente da Comerc Eficiência, e Francisco Habib, diretor de engenharia da Casa dos Ventos, conversam com a BNamericas sobre o empreendimento.
BNamericas: Qual será o destino da amônia verde produzida pelo projeto? O mercado interno e/ou externo?
Haratz (na foto, à esquerda): Os projetos de hidrogênio verde, tanto no Porto do Açu como em Pecém, são inicialmente voltados ao mercado internacional. Não porque não queremos vender no Brasil, mas porque a demanda de grande porte está no exterior.
Existe uma demanda nacional para projetos menores, principalmente dentro das indústrias que consomem hidrogênio como matéria prima ou que pretendem substituir combustíveis não renováveis por renováveis, como indústrias que usam coque, carvão e gás natural e miram possibilidade de misturar hidrogênio nessa queima.
BNamericas: A forte demanda no exterior reflete a crise energética mundial, principalmente por conta da guerra na Ucrânia?
Habib (na foto, à direita): A discussão é anterior à questão da Ucrânia, mas com certeza há um novo estímulo causado pelo conflito. Os EUA, por exemplo, recentemente anunciaram um programa de incentivo direto para o hidrogênio verde.
No Brasil, as decisões são mais ligadas a questões como custos e metas de sustentabilidade, pois não há falta de energia por aqui. Já o europeu está bem mais disposto a pagar o prêmio por isto.
O projeto de Pecém é, na primeira fase, um projeto de exportação para um porto na Europa.
Haratz: A guerra na Ucrânia acelerou a transição energética. Isso foi muito falado, mas a Europa precisa de combustível para o inverno e para suas indústrias, então isso acabou gerando a possibilidade de exportar hidrogênio.
BNamericas: De onde virá a energia para produção do hidrogênio verde? De plantas existentes da Casa dos Ventos e/ou de usinas em fase de projeto/ implantação? Eólicas offshore estão nos planos?
Habib: Eólicas offshore não são consideradas no primeiro momento, pois esta forma de geração deve crescer apenas mais tardiamente. Hoje, trabalhamos em projetos da Casa dos Ventos, com expertise da Comerc, para entregar energia mais competitiva, com projetos eólicos e fotovoltaicos onshore, eventualmente em modelo híbrido, investindo na complementaridade entre as fontes.
São projetos novos em fase avançada de desenvolvimento, próximos de terem sua construção iniciada. Usinas com entrega para 2024, 2025.
Haratz: O Brasil tem uma posição de destaque no mercado internacional devido à abundância de fontes renováveis de energia. Mas isto não basta: nós precisamos que o governo fomente. E não estamos falando do ponto de vista da energia elétrica, mas do negócio. Há uma série de processos que têm de acontecer a partir de agora. Por exemplo, projetos de hidrogênio verde ainda não estão enquadrados como debênture de infraestrutura, a fim de poder emitir dívida mais competitiva.
O hidrogênio está nos portos, em ZPEs [zonas de processamento de exportação], mas poderia haver outros incentivos e subsídios para esse tipo de projeto. São investimentos muito grandes, com capacidade extraordinária de geração de empregos, inclusive para a região mais carente desse tipo de investimento no Brasil, que é o Nordeste.
BNamericas: Qual é o custo estimado da produção de amônia verde? Por que a Comerc e a Casa dos Ventos consideram o projeto economicamente viável a partir de 2026?
Haratz: O projeto é competitivo por uma série de fatores. Temos essa parceria com a Casa dos Ventos, com forte robustez financeira e uma parceira de grande porte que é a TotalEnergies, ao passo que a Comerc traz para o empreendimento uma empresa com grande expertise e capacidade de investimento, que é a Vibra Energia.
Já iniciamos os estudos de engenharia e ambientais e temos os primeiros resultados, que são bastante interessantes para nós. O custo não podemos divulgar, mas sabemos que, hoje, será o projeto mais competitivo no Brasil, pois são duas empresas nacionais, desenvolvendo projetos de grande porte há muito tempo.
Habib: O preço final ainda depende de algumas questões que ainda não foram objeto de decisão, como financiamento, e a estruturação do contrato de amônia. Mas nossas análises indicam um produto final bem competitivo.
Haratz Vale lembrar que a planta de amônia que vamos instalar aqui é a mesma que outras empresas vão instalar em outras partes do mundo. Nosso grande diferencial é nosso recurso renovável, sol e vento. Outro diferencial pode vir estímulos nacionais para o hidrogênio verde no Brasil.
BNamericas: Qual será a estratégia de financiamento? Estão buscando parceiros?
Habib: Nosso base case é financiamento estrangeiro, por se tratar de exportação. Então é possível construir o projeto com uma dívida mais barata, mas estamos bem confortáveis com vários tipos de financiamento.
Haratz: Você tem que ter um bom balanço para obter financiamento a boas taxas. Conversei com alguns bancos internacionais, fundos de investimento e de private equity, que já estão demonstrando interesse em investir em projetos de hidrogênio verde. A diferença é que, por termos grandes empresas atrás de nós, isto traz ainda mais confiabilidade para os investidores.
Não haverá descarbonização global sem hidrogênio. Eu diria que o hidrogênio é o ator principal, então temos que fazer projetos competitivos para poder contribuir.
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