
Como o norte do México se prepara para a fabricação de veículos elétricos

Os planos da Tesla de construir uma gigafactory no estado de Nuevo León, no norte do México, marcarão uma mudança sem precedentes na economia local e na indústria automobilística.
No entanto, o Cluster Automotriz de Nuevo León (Claut), uma associação civil formada por fabricantes, instituições acadêmicas e órgãos públicos para promover a competitividade do setor, alerta para os muitos desafios que se avizinham devido à falta de experiência produtiva do país em veículos elétricos.
Apesar do fato de que a Tesla pretende iniciar as operações este ano, o ecossistema automotivo local ainda desconhece completamente seu plano ou necessidades.
Mesmo assim, Manuel Montoya Ortega, CEO do Claut, revelou à BNamericas que está confiante de que o estado será capaz de se adaptar.
BNamericas: Já se passaram dois meses desde que a norte-americana Tesla confirmou que construirá uma fábrica de US$ 5 bilhões em Nuevo León como parte do fenômeno do nearshoring. Como vocês receberam a notícia e como estão se preparando?
Montoya: O nearshoring em si tem a ver com a paralisação das importações da Ásia e principalmente da China devido às tarifas que os EUA impuseram sobre 6 mil produtos chineses. O conceito nasceu há alguns anos e consiste em trazer a produção daqui para o México para que fique mais próxima do mercado norte-americano.
Na verdade, posso dizer que a questão automotiva começou a se refletir em 2019, porém, devido ao novo acordo de livre comércio entre México, EUA e Canadá [T-MEC], mais conteúdo regional está sendo forçado a se integrar.
Cada carro deve ter 12,5% a mais de integração, antes era 62,5% e agora será 75%. Foi feito por etapas, começaram em 2019. Passou de 62% para 66% e depois de 69% para 72% e agora em junho tem que chegar a 75%. Então, o que está acontecendo? Isto vem forçando os fabricantes de veículos a aumentar sua produção de componentes para a América.
A regra mais importante do USMCA não é tanto isso, mas sim que os fabricantes de autopeças agora têm que provar que 75% de uma autopeça é feita aqui [na América do Norte]. É isto que vem obrigando os fabricantes de componentes a virem ao México ou buscarem fornecedores no México.
Esse primeiro fenômeno do T-MEC fez com que a indústria automotiva acelerasse muito a integração regional, tanto que fizemos a conta de 2019 a 2022, o conteúdo norte-americano em veículos já aumentou 8%. Antes, o conteúdo norte-americano era de US$ 24 mil por veículo em média, agora é de US$ 29 mil em números redondos e o T-MEC está motivando isso.
BNamericas: O que significa essa aceleração para as empresas que já estão instaladas lá?
Montoya: Obviamente, as montadoras habituais vão tentar reconverter suas fábricas, como a de Cuautitlán Izcalli, no estado do México, que é uma fábrica muito antiga e onde estão fabricando o Ford Mustang elétrico. Eles estão adaptando-a para produzir veículos elétricos.
Ao mesmo tempo, novos players como a Tesla estão montando novas fábricas com esse conceito de gigafactory e vamos começar a ver um movimento de novas indústrias que vão surgindo e que vão buscar onde se estabelecer. O México é um bom lugar, obviamente Nuevo León é o lugar para começar mais rápido.
Creio que, aos poucos, isso vai se espalhar para outras regiões, não só o nordeste porque agora está muito concentrado em Nuevo León e algo em Coahuila, mas vai se expandir para outras áreas porque aqui também está começando a ficar saturado.
BNamericas: O governador de Nuevo León anunciou que a gigafactory da Tesla, no município de Santa Catarina, poderá ser construída e finalizada ainda este ano. Você espera que mais empresas venham para o estado?
Montoya: Para começar, acho que a Tesla tem sido muito concisa em suas comunicações, e esse é o jeito dela. Não temos mais informações por parte da empresa, mas temos do ecossistema. Sabemos que já existem cerca de 20 a 25 fornecedores da Tesla estabelecidos aqui no estado. São fornecedores que já estão aqui em Nuevo León e estão abastecendo a fábrica da Tesla em Austin, Texas. Já estamos vendo a chegada de muitos fornecedores, como outros que já estão aqui trabalhando para a Tesla.
BNamericas: E a força de trabalho? Existe talento suficiente para que a Tesla capacite novos funcionários?
Montoya: Também estamos trabalhando com universidades e escolas para identificar que tipo de talento é necessário. Ainda não identificamos, estamos trabalhando nisso e pode demorar um pouco.
Como cluster, estamos tentando apoiar a Secretaria Estadual de Economia e a Secretaria do Trabalho para orientar essa questão. As pessoas virão de outros lugares? Não sei, tudo depende das necessidades. Os processos de fabricação da Tesla são bastante automatizados, então não é mão de obra barata, é mão de obra especializada, o que é muito bom para nós.
BNamericas: Nuevo León tem experiência com veículos elétricos?
Montoya: Os veículos elétricos são algo novo, ninguém entende mais disso que a Tesla e alguns chineses, mas as montadoras tradicionais ainda estão aprendendo. Então, dizer que Nuevo León já é especialista, bem… não é, estamos no processo. Há empresas locais trabalhando em questões de eletromobilidade e o investimento estrangeiro nesta área está chegando. Os investimentos estão aqui. Vai levar toda essa década para migrar do veículo a gasolina para o veículo elétrico.
Não estamos preparados, nem temos um plano para fazer isso, e entre infraestrutura, postos de carregamento e capacidade de geração de energia, existem alguns desafios que ainda não sabemos como serão resolvidos, mas que vamos caminhando para isso.
BNamericas: Inicialmente, o presidente Andrés Manuel López Obrador não queria que a Tesla se instalasse em Nuevo León devido à falta de água. Aliás, o estado teve uma de suas maiores crises hídricas em 2022. Qual solução a empresa ofereceu para manter o abastecimento de água sem prejudicar a cidade de Monterrey?
Montoya: A Tesla teria que dizer o que vai fazer, a verdade é que a empresa não deu nenhuma informação sobre isso.
BNamericas: E o fornecimento de energia? A Tesla seria autossuficiente?
Montoya: O que sei é que Nuevo León hoje é autossuficiente, Nuevo León gera energia elétrica suficiente até para exportar para outros estados. Com o crescimento, acho que vai exigir mais geração de energia, principalmente energia verde. Não faria sentido fabricar carros elétricos com energia suja.
BNamericas: A Secretaria da Economia convidou uma delegação de empresários taiwaneses a visitar o México esta semana, visando convencê-los a abrir fábricas no país para a produção de semicondutores, também necessários para fabricar veículos elétricos. Qual é a sua opinião sobre este assunto?
Montoya: Os semicondutores não estão sendo feitos no México e até agora não estão chegando investimentos dessa natureza, porque são investimentos muito grandes. Eles estão chegando e sendo gerados nos EUA. Não é o tipo de investimento que está ocorrendo hoje aqui, mas sim no sul dos EUA.
BNamericas: Qual é o tema mais importante para os membros do setor automotivo em Nuevo León?
Montoya: São muitos os temas, mas acho que o que mais nos afeta negativamente é a valorização do peso [em relação ao dólar], porque tudo é dolarizado e vivemos das exportações. Como o peso e o câmbio estão muito baixos, as empresas estão perdendo poder de compra. Então, essa oportunidade de nearshoring pode desacelerar, porque o empresário mexicano não consegue ganhar dinheiro.
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