
Comunidades ou indústria: o dilema do potencial de lítio da Bolívia

Embora a Bolívia não tenha reservas de lítio certificadas, possui recursos minerais substanciais e demonstrou interesse em explorá-los. Ao mesmo tempo, tem surgido oposição entre as comunidades locais.
Em 2023, a estatal YLB firmou acordos com o consórcio chinês CBC, sua conterrânea Citic Guoan e o russo Uranium One Group para desenvolver plantas-piloto que, posteriormente, deverão ser ampliadas para a produção industrial com tecnologia de extração direta de lítio (EDL).
Em janeiro do ano passado, a YLB abriu uma convocatória internacional para o desenvolvimento de projetos-piloto de lítio e outros minerais em 7 dos 28 salares do país. O processo está em andamento e os respectivos acordos devem ser assinados em agosto.
As convocatórias fazem parte das iniciativas da administração do presidente Luis Arce para transformar o país andino em um fornecedor global. Contudo, o objetivo é dificultado por problemas técnicos e políticos, conflitos sociais e até mesmo corrupção.
A BNamericas conversa com Gonzalo Mondaca, pesquisador associado da ONG de interesse público Cedib, sobre os planos de lítio, as origens da oposição das comunidades e as perspectivas da indústria.
BNamericas: Qual é a situação atual do setor de lítio na Bolívia?
Mondaca: Está passando por um momento difícil. A Bolívia fez duas convocatórias para convidar empresas com capacidade para desenvolver a exploração de lítio por meio de tecnologias de extração direta.
A primeira levou quase dois anos para consolidar alguma forma de acordo. No ano passado, foram assinados acordos com CBC, Citic Guoan e Uranium. Este ano, em janeiro, foi feita outra convocatória.
Os acordos da primeira convocatória foram assinados entre janeiro e junho do ano passado. As expectativas eram bastante elevadas, porque a extração direta do lítio apresenta altos rendimentos, com recuperação de mais de 80% do mineral
Além disso, a extração direta prometia ser uma tecnologia que poderia ser instalada rapidamente. Após a assinatura dos acordos em junho, o governo mencionou que as plantas poderiam ser instaladas em julho, o que nos surpreendeu, pois sabemos que essa tecnologia não é fácil de implementar.
Na realidade, a única experiência da América do Sul com a tecnologia EDL é em Catamarca, Argentina, com a Arcadium Lithium. O projeto começou com a Livent, que levou oito anos para instalar uma planta-piloto e, desde 1998, quando a produção começou, foi ampliada até alcançar 20 mil toneladas por ano em 2022.
Portanto, Catamarca levou mais de 20 anos para consolidar a escala industrial da produção de lítio com a tecnologia EDL.
BNamericas: O sigilo na divulgação de informações sobre os acordos para construção com empresas chinesas e russas está causando problemas para as comunidades?
Mondaca: Esse sigilo e a falta de informações sobre os acordos levantaram muitas questões.
As comunidades nos informaram que a YLB, junto com o Uranium Group, começou a entrar no salar de Pastos Grandes e cometeu diversos erros que só podem ser explicados pela pressa.
Contrataram uma empresa para fazer prospecção hidrogeológica e essa empresa, para ser mais rápida, tentou instalar um acampamento para 80 pessoas em uma área de pastagem.
A região do altiplano sul boliviano é muito parecida com a puna argentina e chilena. É árida, e os lugares com umidade e forragem para o gado são valiosos. As comunidades se opuseram à instalação do acampamento na área de pastagem.
Os responsáveis responderam que essa terra é reservada ao Estado, o que provocou uma rejeição ainda maior por parte das comunidades.
Depois, a Universidade de Potosí organizou um comitê com cinco equipes de pesquisadores em diferentes áreas para desenvolver uma linha de base ambiental para a empresa Uranium Group, com a qual mantém acordo. Essa equipe também entrou sem avisar a comunidade, que os impediu de realizar qualquer trabalho.
Na Bolívia, são muito protetoras de suas jurisdições e seus territórios, especialmente, onde há fontes de água, em uma região onde ela é escassa.
Entre outras coisas, as comunidades disseram que não podem entrar sem consultar, sem permissão, sem apresentar um plano de trabalho, razão pela qual as obras planejadas para o salar de Pastos Grandes foram interrompidas.
BNamericas: Que tipo de problema foi gerado pelo decreto sobre áreas reservadas para o Estado?
Mondaca: Esse é um problema latente que gerou reações das comunidade. Esse decreto foi assinado pelo presidente Evo Morales em 2015, mas as comunidades só souberam em 2023, quando um empreiteiro da Uranium One tentou instalar um grande acampamento para acelerar os processos de exploração.
Na ocasião, os empreiteiros falaram de uma área de influência onde a população não tinha direitos.
Essas comunidades, entre 2007 e 2009, intitularam suas propriedades como terras das comunidades originárias, que é a figura do território indígena na Bolívia. Ao fazerem estas delimitações, foram excluídas os salares e as lagoas salgadas.
Eles aceitaram, porque entendem que dentro do salar ou da lagoa salgada só existe água salgada. Para eles, o que importa são os bofedales [zonas úmidas andinas] que os rodeiam, onde levam o gado para pastar e onde também estão suas fontes de água doce.
Contudo, após o decreto, a área reservada foi ampliada, em alguns casos até 10 km além do limite da costa salina, o que implica que toda a bacia que alimenta a salina seja coberta.
Essa delimitação é arbitrária e, em todos os casos, amplia significativamente a área onde o Estado teria exclusividade para exploração, incluindo locais onde há zona úmidas, fontes de água doce e também lugares sagrados de valor cultural.
Infelizmente, as delimitações não são acompanhadas por regulamentações, então nas áreas reservadas para o Estado não está claro o que pode ser feito e o que não pode, nem em que medida as comunidades devem ser consultadas. O oposto ocorre com os operadores de mineração, que precisam seguir várias regras, realizar algumas consultas, por exemplo, para abrir estradas, usar fontes de água ou fazer modificações no território além do local específico onde estão explorando.
As comunidades já se pronunciaram pedindo a anulação do decreto. Ainda não fizeram nenhuma mobilização, mas enviaram notas para a YLB e para o Ministério de Hidrocarbonetos e Energia.
BNamericas: A situação poderia piorar com o conflito gerado pelo decreto?
Mondaca: Em abril, houve mobilizações da comunidade de Río Grande, que está muito próxima das instalações que o Estado possui para tecnologia de evaporação, onde existem grandes piscinas e também duas plantas com capacidade industrial para produzir cloreto de potássio e carbonato de lítio.
Río Grande está localizada exatamente onde começa o delta do afluente mais importante que deságua no Salar de Uyuni. Esta comunidade está muito perto do local onde está localizado o acampamento da YLB e por onde se entra no salar, onde estão as piscinas e as plantas industriais.
Desde o início, a comunidade de Río Grande apoiou e foi uma aliada importante para a execução dos projetos de exploração e industrialização do lítio; no entanto, recentemente, denunciaram que um acordo não foi totalmente cumprido, levantaram novas demandas e começaram a discutir o tema da água. De fato, há o risco de suas fontes de água doce diminuírem, pois a YLB perfurou poços para explorar a água doce necessária para uso industrial.
O segundo ponto levantado pela comunidade no debate é a ausência de consulta prévia, livre e informada, um tema que não foi reclamado em 2008, quando o projeto começou, nem em 2010, quando os investimentos estatais começaram.
BNamericas: Se não reclamaram em 2008 nem em 2010, por que estão fazendo isso agora?
Mondaca: Ao acompanhar a mobilização, descobrimos que o verdadeiro motivo não era proteger as fontes de água nem a consulta prévia. O verdadeiro objetivo era conseguir contratos de transporte de carga pesada em favor de membros da comunidade.
A YLB assinou um contrato com uma cooperativa de transporte, com caminhoneiros basculantes e vários membros da comunidade de Río Grande, que haviam se candidatado a uma licitação e perdido, então decidiram se mobilizar para obter algo através da mobilização.
BNamericas: Então com essa comunidade, os problemas estão resolvidos?
Mondaca: Sim, mas a situação não é a mesma nos outros salares.
Nos outros salares, as comunidades são em sua maioria organizadas como comunidades indígenas originárias, não como sindicatos de camponeses, e isso gera uma obrigação maior de realizar consulta, inclusive de acordo com seus costumes.
Além disso, várias dessas comunidades estão muito mais abandonadas, não têm recebido apoio do Estado por décadas e seus sistemas produtivos dependem muito das poucas fontes de água doce que têm à disposição.
É pouco provável que estejam dispostas a permitir a mineração de lítio, porque esse mineral explora a salmoura e a água doce, que é bastante escassa.
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