‘O destino do presidente Lasso está lançado’
A oposição, que controla a Assembleia Nacional do Equador, está tentando destituir o presidente Guillermo Lasso sob acusações de peculato e extorsão por não combater a corrupção na coordenadora da Emco, na petroleira Petroecuador e na transportadora marítima de hidrocarbonetos Flopec.
A comissão de supervisão da Assembleia Nacional será encarregada de investigar as evidências contra o presidente e ouvir os argumentos da defesa antes de entregar um relatório em 7 de maio recomendando impeachment ou rejeitando a acusação.
A BNamericas conversa com o presidente do comitê de fiscalização legislativa, o parlamentar independente de centro Fernando Villavicencio, sobre o caso.
BNamericas: Suas investigações têm apoiado aqueles que querem destituir o presidente do cargo. Qual sua opinião a respeito?
Villavicencio: Sinto uma responsabilidade maior, um grande peso nos ombros e na consciência.
Graças às minhas investigações, os dirigentes do correísmo [referente ao ex-presidente Rafael Correa] estão condenados, foragidos e presos.
A única acusação que o correísmo tem de querer tirar o presidente do cargo assenta, aliás, na minha investigação.
Investiguei o caso da Flopec e da Amazonas Tankers. É um assunto complexo. Posso dizer que estão desesperados porque por trás dessa causa está o maior escândalo de corrupção do governo do Correa, que é a entrega de petróleo para a China, uma vez que as intermediárias Petrochina, Unipec e Petrotailandia são as mesmas empresas que criaram a Andes Tankers e a Amazonas Tankers, em um processo que gerou perdas de cerca de US$ 5 bilhões ao Estado equatoriano nos últimos 15 anos. São também as mesmas empresas que levaram prejuízos superiores a US$ 400 milhões no arrendamento de navios que não possuem por serem empresas laranjas, acusadas de pagar mais de US$ 70 milhões em propinas a funcionários do governo de Rafael Correa.
BNamericas: Qual é a situação do processo de impeachment contra o presidente Lasso?
Villavicencio: No domingo foi concluída a primeira fase do processo de fundamentação do impeachment, ou seja, a apresentação de provas para a acusação, defesa e de ofício que alguns deputados solicitaram.
Os acusadores exigiram 11 provas documentais e 5 comparecimentos. Já o presidente Lasso demandou 60 provas documentais e 40 aparições. Agora é aberta a fase de verificação de avaliação de 10 dias.
Cabe esclarecer que este julgamento político deve ser dado exclusivamente por suposto crime de peculato no contrato entre a Flopec e a Amazonas Tankers.
O presidente, por meio do seu advogado de defesa, solicitou a realização de vários testes, muito importantes para identificar que estamos perante um dos grandes esquemas de corrupção do setor petrolífero.
BNamericas: Quais são os testes solicitados?
Villavicencio: Entre eles estão documentos da Controladoria e o comparecimento de diversos funcionários e ex-funcionários, inclusive o ex-procurador do Estado, Íñigo Salvador, que deverá certificar se emitiu um laudo autorizando a suspensão do contrato entre a Flopec e a Amazonas Petroleiros transportados pelo Almirante Johnny Estupiñan, gerente da Flopec.
Também foi solicitado o comparecimento da controladoria-geral e a apresentação dos relatórios da Controladoria que apuram prejuízo de US$ 6,1 milhões no contrato firmado no governo de Lenín Moreno, além de um relatório da Controladoria sobre o cumprimento das recomendações.
Esses relatórios confirmarão que a Controladoria apontou as perdas durante a gestão de Lenín Moreno, porém não recomendou a suspensão do contrato, mas que as condições econômicas fossem melhoradas. Os relatórios também confirmarão que não houve espaço legal para suspender o contrato, que o governo do presidente Lasso cumpriu as 13 recomendações da Controladoria e que os resultados econômicos foram um aumento substancial na receita econômica da Flopec.
Importante também é o aparecimento da ex-gerente da Flopec na gestão de Guillermo Lasso, Pilar Ferri, que em setembro de 2021 entrou com uma denúncia criminal por peculato contra Jaime Condoy, ex-gerente da empresa durante o governo Moreno, pelos contratos com a Amazonas Tankers.
BNamericas: A deputada Mireya Pazmiño acusa o presidente de não ter suspendido o contrato e de ter assinado um novo em julho de 2022…
Villavicencio: O suposto crime de peculato se baseia em um relatório da Controladoria, que em nenhum momento levantou a suspensão do contrato.
Aqui há um conflito de interesses porque a deputada Pazmiño, como presidente da comissão do regime econômico, no âmbito de uma investigação que realizou, questionou a atitude do ex-gerente Estupiñán, que suspendeu o contrato. Em fevereiro de 2022, ela se manifestou contra a suspensão e alertou que poderia ser gerada arbitragem internacional.
É por isso que alguns dizem que a própria deputada se tornaria a melhor prova de defesa de Guillermo Lasso.
BNamericas: Em que etapa chegará o julgamentom após essas diligências?
Villavicencio: Após 10 dias da apresentação das provas, cabe a mim, como presidente da comissão de fiscalização, elaborar o relatório fundamentado, no qual se recomenda ou não o julgamento do impeachment e destituição do presidente.
O relatório será primeiro submetido à apreciação do plenário da comissão de auditoria e depois enviado ao presidente da Assembleia Nacional.
BNamericas: O que acontece se o relatório não for aprovado pela comissão de auditoria?
Villavicencio: Se as recomendações não alcançam cinco dos nove votos, a lei não considera que seja feito outro relatório.
O que corresponde é submeter o relatório e a ata da votação ao presidente da assembleia para que seja dado conhecimento ao plenário do órgão.
BNamericas: O relatório é obrigatório?
Villavicencio: A lei fala de um relatório fundamentado. Um funcionário não pode ser demitido sem justa causa. Se as provas de acusação e defesa motivarem a recomendação do julgamento ou sua absolvição, não poderá haver outro laudo que vá em sentido contrário. De certa forma, o relatório é obrigatório porque a força do ônus da prova é unilateral.
Se os acusadores não puderem provar a existência de peculato, que o presidente não agiu e, ao contrário, ficar provado que o presidente acatou as recomendações da Controladoria, melhorou as condições do contrato e se verifica que o presidente não assinar um novo contrato, a rigor, a motivação torna-se vinculante.
O peculato também só existe por meio de uma sentença. A procuradoria nos confirmou que até o momento não há nenhuma acusação criminal por peculato no contrato com a Amazonas Tankers contra Guillermo Lasso ou outros funcionários.
O que existe é uma denúncia de peculato do governo de Guillermo Lasso contra um dos dirigentes da Flopec do governo de Lenín Moreno, Jaime Condoy.
BNamericas: Uma vez apresentado o relatório da comissão, qual o prazo para questionamento e votação em plenário?
Villavicencio: Uma vez que o relatório é apresentado ao presidente da Assembleia, ele tem três dias para levá-lo à atenção dos deputados. Depois há cinco dias para os interpelantes [devem escolher dois] apresentarem a sua acusação.
O presidente tem direito de defesa, tem que atuar pessoalmente em plenário e após esses 5 dias vem o debate, do qual participam os 137 parlamentares com tempos de até 10 minutos cada. Depois vêm cinco dias adicionais em que a moção de censura e destituição ou absolvição é preparada.
Em todo este processo falamos de um mínimo de 43 dias, ou seja, a resolução final deverá sair quase no final de maio, e é isso que tem incomodado o correísmo e o Partido Social Cristão, que estão por detrás do impeachment. Queriam a cabeça do presidente Lasso até 13 de maio e é possível que isto não ocorra até essa data, cabendo ao novo presidente da assembleia conduzir a votação.
BNamericas: Dada a miríade de problemas que o presidente enfrenta e sua baixa aprovação, você acredita que se não cair ele terminará seu mandato em 2025?
Villavicencio: Penso que o governo Lasso não entendeu a dimensão de seus adversários. Ele não entendeu o momento e contra quem deveria governar.
No início de seu governo, fez um pacto com o líder do Partido Social Cristão, Jaime Nebot, e com Rafael Correa para organizar a Assembleia. O pacto fracassou devido à pressão daqueles de nós que não viemos desses partidos.
Lasso nunca entendeu que chegou à presidência do país graças a uma força que não era sua, uma força anticorreísta que travou uma luta frontal contra a corrupção e a impunidade.
Nos dois primeiros anos de governo, Lasso não liderou uma estratégia frontal de combate à corrupção. Apesar de ter rompido o acordo com o Partido Social Cristão e o correísmo, continuou a governar com o correísmo em todas as empresas públicas.
BNamericas: Que futuro espera o Equador?
Villavicencio: O governo Lasso fica por conta de seus constituintes. É um governo fraco, que coexistiu e fomentou a corrupção ao fazer alianças e manter ou nomear funcionários dos dois partidos políticos acima mencionados em seu governo.
Agora é um governo sem apoio parlamentar e social. Desde o início pedi ao presidente que ativasse o mecanismo constitucional da “morte cruzada” [que implica a dissolução da assembleia e eleições antecipadas para a presidência e para a Assembleia], porque se não tiver aliados responsáveis, sérios, na Assembleia Nacional, ainda que se salve deste processo político, não poderá governar.
Amanhã virá outra tentativa desestabilizadora em que todos os atores se unirão: estruturas criminosas, máfias do narcotráfico, políticos ligados ao narcotráfico, estruturas terroristas, todos com uma estratégia de desestabilização.
Acredito que o destino do Presidente Lasso está lançado, por isso ontem e hoje sou a favor da “morte cruzada”.
Penso que o presidente deveria dissolver a Assembleia, convocar eleições antecipadas e não participar como candidato.
BNamericas: Ele poderia fazê-lo após discursar no plenário da Assembleia?
Villavicencio: Claro, você pode fazê-lo até um minuto antes da reconsideração do voto porque a Constituição não o impede.
A “morte cruzada” é executada com um decreto; no momento em que entra na Assembleia, ela é dissolvida.
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