
O que esperar das relações China-Brasil nos próximos anos
Um olhar de longo prazo para os investimentos chineses na América Latina mostra que o gigante asiático vem aumentando sua presença na região, principalmente no Brasil.
Em 2007-20, o Brasil representou 35% do estoque de investimentos da China na América Latina, de acordo com relatório do Conselho Empresarial China-Brasil (CEBC). Do total investido no país, 48% foram para o segmento de energia elétrica e 28% para o setor de óleo e gás.
BNamericas conversou com o autor do relatório, o diretor de pesquisas do CEBC, Tulio Cariello (na foto), sobre a relação da China com o Brasil e o resto da América Latina em um momento em que a política externa dos EUA está voltada para outras partes do mundo.
BNamericas: Quais as principais conclusões sobre a natureza dos investimentos chineses no Brasil?
Cariello: O que temos visto nos últimos anos, e hoje, é uma complementaridade de oportunidades e necessidades entre a China e o Brasil.
Falando especificamente da área de energia elétrica, que é o setor em que a China mais investiu no Brasil nos últimos anos, o que aconteceu é que a infraestrutura instalada desse setor na China já estava chegando ao limite e as empresas de lá começaram a olhar para outros países onde eles poderiam usar todo esse conhecimento para continuar expandindo sua presença.
Como resultado, eles entraram no setor elétrico no Brasil com muita força e isso foi replicado em menor escala também em outras áreas de infraestrutura.
O que vemos acontecendo agora na China é que ela deve se expandir em outros países e que o foco do investimento está em outro tipo de infraestrutura. Hoje o foco está em infraestrutura de tecnologia, construção de data centers, expansão 5G ; já estamos vendo uma mudança no foco da infraestrutura tradicional para a infraestrutura de tecnologia.
BNamericas: O que podemos esperar da China em termos de investimentos na infraestrutura tradicional do Brasil?
Cariello: Os setores de transporte e logística do Brasil devem atrair muito investimento chinês porque ainda temos muita necessidade de investimento nessas áreas.
Talvez nenhum outro país do mundo reúna a combinação de fatores que a China faz em relação ao investimento em infraestrutura no Brasil. Eles têm capital, têm expertise e estão dispostos a investir.
BNamericas: Existem outros setores no Brasil onde a China também poderia aumentar seus investimentos?
Cariello: Outro setor que tem potencial para atrair investimentos chineses é a área de tecnologia. A China hoje concorre com vantagem na corrida tecnológica contra os Estados Unidos e tem interesse no mercado 5G brasileiro.
Mas em termos de tecnologia, as possibilidades da China no Brasil são muito amplas, não estão focadas apenas no 5G.
O brasileiro gosta de usar aplicativos , fazer transações financeiras via internet, celular e a China tem muito know-how no desenvolvimento de aplicativos de pagamento, por exemplo.
BNamericas: Você espera que o Brasil continue sendo um pólo de investimento chinês na América Latina? E o foco dos investimentos da China em outros países da região é semelhante ou diferente do Brasil em termos de setores de negócios?
Cariello: O interesse chinês em termos de ativos em toda a região é muito parecido com o cenário do Brasil, com forte foco nas áreas de energia e recursos naturais.
Devido ao tamanho e à diversificação da economia brasileira, a tendência é que o país continue sendo o principal destino dos investimentos chineses na região.
BNamericas: Até que ponto a América Latina pode se beneficiar dos atritos geopolíticos e comerciais entre os EUA e a China?
Cariello: Olhando desde uma perspectiva histórica, os EUA estão presentes aqui na região, conhecem a realidade da América Latina muito mais do que a China. No entanto, nos últimos anos, a China aumentou muito sua presença.
O que está acontecendo é que a China já tem um diálogo importante com a região, num momento em que os EUA não têm a América Latina como prioridade.
A América Latina não é foco da política externa dos EUA, que hoje está voltada para a China, nas questões do Oriente Médio. Com isso os EUA deixaram um vácuo na região que tem sido cada vez mais ocupada pela China.
BNamericas: O governo do presidente Jair Bolsonaro em várias ocasiões assumiu uma postura crítica em relação à China. Como isso afetou as relações entre Brasil e China?
Cariello: A narrativa [política] e a política do governo brasileiro são bastante assimétricas, então não tem impacto na relação.
Ao mesmo tempo em que o Brasil adotou uma postura crítica em relação à China, os governos dos dois países realizaram visitas oficiais, com visita do presidente brasileiro à China e visita do presidente chinês ao Brasil.
Durante a atual gestão, o Ministério da Agricultura criou uma área de inteligência voltada para a China, o que mostra que, apesar das críticas, o governo brasileiro está ciente da importância das relações com a China.
BNamericas : Os governos estaduais no Brasil podem ter um papel de liderança nas relações com a China?
Cariello: Isso já acontece há alguns anos. Governos estaduais do Nordeste têm feito visitas oficiais à China e atraído investimentos para seus estados.
O governo do estado de São Paulo é muito ativo no diálogo com a China. Foi o governo de São Paulo que fez parceria para desenvolver uma vacina contra o COVID-19 com um laboratório chinês e, recentemente, também abriu um escritório comercial em Xangai.
Esses governos estaduais estão buscando um diálogo com a China que seja independente do governo federal. Isso é positivo porque o Brasil é um país muito grande, é preciso ter diálogos descentralizados.
BNamericas : O Brasil realizará eleições presidenciais em 2022 , o que, de acordo com pesquisas recentes, é provável que seja uma corrida altamente polarizada. O resultado desta eleição pode afetar as relações com a China?
Cariello: Na prática, pouca coisa mudaria. Os chineses têm uma visão de estado e de longo prazo em relação ao Brasil. Quem ocupa a presidência do Brasil em um mandato não tem muita influência nessa agenda e na percepção do investidor chinês.
É óbvio que um diálogo amigável é sempre bom. Mas mais do que saber se o Brasil tem um governo de esquerda ou de direita, o importante para os investidores chineses é ter relações pragmáticas.
BNamericas: Quão relevantes são os aspectos ESG [ambientais, sociais e de governança] para os investidores chineses?
Cariello: Isso é muito importante porque para a China a questão do meio ambiente agora é uma prioridade número um. Isso fica muito claro nos planos de longo prazo que eles anunciaram.
A China passou por um processo de crescimento muito rápido nas últimas décadas e isso gerou uma série de problemas ambientais, e agora estão revertendo o curso.
A China é hoje, em termos absolutos, o país que mais investe em energias renováveis e isso abre uma grande oportunidade para o Brasil, pois temos um enorme potencial na área das energias renováveis. E, novamente, a economia brasileira tem muitas sinergias em termos das necessidades da economia chinesa.
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