Brasil
Perguntas e Respostas

O que está em jogo para o setor nuclear brasileiro

Bnamericas
O que está em jogo para o setor nuclear brasileiro

Em 21 de fevereiro, a Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento De Atividades Nucleares) e a ABDC (Associação Brasileira de Data Centers) assinaram um memorando de entendimento com vistas a desenvolver atividades em conjunto e explorar parcerias de fornecimento de energia no setor.

O acordo visa o longo prazo, uma vez que as tecnologias para pequenos reatores modulares (na sigla em inglês, SMRs) para fornecimento de serviços de processamento de dados ainda não estão disponíveis no país – e o Brasil ainda tem um excedente considerável de energia hidrelétrica, solar e eólica de baixo custo.

Nesta entrevista, o presidente da Abdan, Celso Cunha, compartilha sua visão sobre o uso da energia nuclear na indústria de dados e discute os problemas mais urgentes para a indústria local, incluindo o impasse em relação à usina de Angra 3.

BNamericas: Qual é a sua expectativa após a assinatura do MoU com a ABDC?

Cunha: O MoU é um acordo inicial para troca de informação e formalização de parceria. Agora vamos partir para um plano de trabalho específico. 

O nosso é começar ações desde o parlamento, pensando em leis e regulações voltadas a esse interesse conjunto, e também viabilizar a linha de financiamento junto a entidades como a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], não só para a IA [inteligência artificial], mas que também possa contemplar o suprimento de datacenters. 

Nós temos uma sinergia. Eles precisam de energia e nós precisamos vender. É um ganha-ganha.

Datacenters é um segmento que cada dia mais se caracteriza pela necessidade de ter energia nuclear. O mundo está reconhecendo isto. É uma decisão empresarial que vários países estão tomando e que vai acontecer aqui, cedo ou tarde. Tudo no seu tempo. Mas nós temos um caminho traçado.

BNamericas: A energia nuclear pode ser interessante para datacenters por ser uma fonte constante, estável, demandar uma área menor, entre outros benefícios. Mas essa tecnologia começou a proliferar foram em mercados que não contam com uma abundância de matriz majoritariamente limpa, como o Brasil, e/ou onde o sistema elétrico está mais saturado. Ainda assim, faz sentido apostar nela no Brasil?

Cunha: As renováveis não vão competir com esse segmento. Mas também não são uma panaceia. De maneira geral, elas estão em muitos lugares onde você não conta com linha de transmissão.

Além do mais, não há energia de base suficiente para segurar a intermitência das renováveis. As nossas hidrelétricas [por exemplo], 40% delas tem mais de 40 anos. Você tem um risco hídrico grande, o uso da água está intenso.

Este sistema de renováveis não é capaz de garantir 100% de confiabilidade para um setor como esse, de datacenters. É um setor que é extremamente estratégico, não dá para ter uma “paradinha”.

As novas tentativas de estabilizar isso, que são usar hidrogênio, baterias etc., são caríssimas. Elas não são viáveis. Imagine você desenvolver e instalar bateria para segurar um gigawatt de oscilação de energia. Não tem como, não tem nem tecnologia para isso.

BNamericas: Porém, pensando em time-to-market para os datacenters, que é algo crítico, não faz mais sentido apostar em baterias do que, digamos, esperar a construção de um pequeno reator nuclear? Há leilões de armazenamento planejados…

Cunha: Sim, mas estes leilões são mais para testar o mercado. E também temos que considerar: para qual segmento? Estamos falando de sistemas isolados lá no meio da Amazônia, e mesmo assim há um alto risco embutido.

BNamericas: Como está o desenvolvimento de SMRs no país?

Cunha: Temos um projeto começando no Complexo Jorge de Lacerda, para a Térmica Carvalho, de Santa Catarina, mas estão sendo feitos estudos de solo ainda. A ideia é que a energia nuclear ocupe espaço na transição energética das térmicas.  

Há um outro projeto similar a um SMR, que é uma bateria nuclear, também sendo financiado, mas muito ainda na linha de pesquisa. 

A verdade é que nós vamos ter SMRs no mundo, de forma viável, a partir de 2027.

Já há vários em desenvolvimento, e de 2027 a 2030 nós vamos ver um boom desses projetos. Mas acredito que haverá uma acomodação também, nem todos esses projetos vão prosperar em termos de custo, venda, mercado, tempo de entrega, confiança. 

No final, devemos ter umas 15 empresas competitivas. E muitas delas estão estudando o mercado brasileiro.

BNamericas: Não é um prazo longo para resolver os problemas de curtailment, intermitência das renováveis e abocanhar esta oportunidade em datacenters?

Cunha: O setor de datacenters tem um problema e nós também temos um, de correr com as soluções. Eles possuem muita demanda por energia que precisa ser absorvida. Não tem uma solução viável para isso. 

Não acredito que eles vão apostar em bateria, solar ou eólica. O risco é altíssimo. Mesmo térmica a gás é algo bastante complexo, e que inclusive pode elevar os custos da tarifa de energia.

BNamericas: Como estão as perspectivas para o avanço de Angra 3 ? A Abdan tinha uma reunião com o governo para tratar do tema. 

Cunha: A questão envolvendo Angra 3 não é se vale a pena avançar com a usina ou não. Isto já está respondido. Existe uma lei que já definiu que é para concluir a construção da usina.

O CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] tem de cumprir a lei. A discussão atualmente é a tarifa. É preciso ser aprovada uma proposta de outorga que inclui o cronograma de implantação e a tarifa da usina.

Eu diria que há uma discussão política de fundo também, envolvendo a participação do governo na Eletrobras. E, por outro lado, a Eletrobras também gostaria de sair do projeto por não querer colocar o investimento que está obrigada a fazer na Angra 3. 

[Nota da BNamericas: em 28 de fevereiro, após quase dois anos de litígio, o governo e a Eletrobras em 2022 publicaram as premissas do acordo que discute aspectos de governança e a participação da União na companhia. O acordo prevê aporte de R$ 2,4 bilhões para modernização e ampliação da Usina Nuclear brasileira. Esse valor decorrerá de debêntures emitidas pela Eletronuclear, braço nuclear da Eletrobras.]

BNamericas: O que mais está na agenda do setor?

Cunha: Nós estamos com uma agenda muito forte no parlamento, com vários projetos de lei que estão tramitando que podem alavancar a indústria. 

A energia nuclear entrou no programa de transição energética, com aprovação e assinatura da lei. Agora vamos entrar na parte de regulamentação desse programa. Queremos acompanhar de perto essa discussão.

[Nota da BNamericas: o Paten (Programa) de Aceleração da Transição Energética foi sancionado em janeiro com a inclusão do setor nuclear entre os beneficiados. A iniciativa visa estimular a substituição de matrizes energéticas por fontes mais limpas.]

Também vamos continuar com essa campanha e agenda em torno dos SMRs. É um trabalho de longo prazo e nós temos dois grandes eventos este ano em torno do tema. Um, para 3 mil pessoas, será no Rio de Janeiro de 20 a 22 de maio. São mais de 200 palestrantes e debatedores, com a presença da direção da Agência Internacional de Energia Atômica e de mais de 100 empresas parceiras.

No mais, estamos muito focados em resolver questões de Angra 3, a extensão de vida de Angra 1, o reator multipropósito brasileiro (RMB), que faz parte do Novo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e pode tornar o Brasil autossuficiente em radiofármacos, e o programa do submarino de propulsão nuclear brasileiro.

Continuamos com estas pautas técnicas e não estamos abrindo outras, enquanto estamos [também] abrindo pautas legislativas.

Tenha acesso à plataforma de inteligência de negócios mais confiável da América Latina com ferramentas pensadas para fornecedores, contratistas, operadores, e para os setores governo, jurídico e financeiro.

Assine a plataforma de inteligência de negócios mais confiável da América Latina.

Outros projetos em: Energia Elétrica (Brasil)

Tenha informações cruciais sobre milhares de Energia Elétrica projetos na América Latina: em que etapas estão, capex, empresas relacionadas, contatos e mais.

Outras companhias em: Energia Elétrica (Brasil)

Tenha informações cruciais sobre milhares de Energia Elétrica companhias na América Latina: seus projetos, contatos, acionistas, notícias relacionadas e muito mais.

  • Companhia: Lumus Solar
  • A descrição contida neste perfil foi extraída diretamente de uma fonte oficial e não foi editada ou modificada pelos pesquisadores da BNamericas, mas pode ter sido traduzida aut...