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Os desafios de financiar a inovação

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Os desafios de financiar a inovação

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, tem um orçamento de R$ 2,5 bilhões (US$ 477 milhões) para ajudar a financiar e trazer projetos para o mercado e supervisiona o chamado Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para o desenvolvimento científico e tecnológico.

No entanto, o orçamento é insuficiente para cobrir todos os investimentos e gastos necessários do setor de inovação local, enquanto os recursos do fundo permanecem congelados devido às restrições fiscais, explica Marcelo Camargo, superintendente da Área de Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento (APDT) da Finep.

Para piorar a situação, o capital privado não pode intervir agora em meio ao ambiente de altas taxas de juros, ratings decrescentes para empresas de tecnologia e as consequências da crise bancária global provocada pelo Silicon Valley Bank (SVB).

Nesta entrevista, Camargo fala sobre o papel da Finep em preencher a lacuna de financiamento privado, restrições orçamentárias e os desafios gerais do financiamento da inovação.

BNamericas: Como o impacto da quebra do SVB impactam o financiamento da inovação e o financiamento público, considerando as altas taxas de juros e os investimentos privados restritivos? 

Camargo: Na teoria da inovação, há a percepção de que para cada etapa do projeto de inovação, você tem um risco associado e, à medida em que tal risco é moderado, reduzido, você passa a ter a necessidade de buscar diferentes tipos de funding. 

Quando o risco é muito elevado, você só tem uma alternativa: buscar o governo sendo seu sócio, com recursos não-reembolsáveis, com subvenção econômica. Porque dificilmente um venture capitalist vai aceitar entrar nesse momento, ainda mais quando o TRL (technology readiness level), o nível de prontidão tecnológica que aquela ideia ou produto inovador tem, é baixo em estágios iniciais. 

Quando o risco está mais atenuado, mas ainda é grande, o ideal é buscar um venture capitalist. Porque ele vai pagar pouco e vai trocar aquele investimento por uma participação considerável na empresa. Ele vai colocar um pouco de dinheiro em várias startups inovadoras e alguma delas vai se tornar um unicórnio e bancar todo o resto do investimento. 

Somente após passar pelos não-reembolsáveis e pelo venture capital é que a empresa tem mais musculatura e vai poder tomar negociar crédito via fluxo de caixa e garantias. Mas esta é a grande dificuldade em um país como nosso, porque você provavelmente não vai ter uma startup tecnológica com fluxo de caixa consistente e não vai ter condição de ter garantias para referendar o crédito com o banco, mesmo com um banco de fomento. As agências de fomento negociando crédito têm de respeitar as condições de Basileia, que são muito restritivas. 

Então essa é a trilha: subvenção, investimento e crédito. Este cenário mais turbulento, portanto, é muito ruim para o Brasil. Sobretudo se analisarmos que esse estágio do meio, o venture capital, ainda é muito incipiente no país. E os bancos ainda têm uma participação muito pequena nisso. No geral, você tem um encolhimento dessas oportunidades. Uma gripe nos EUA vira uma epidemia no Brasil. 

BNamericas: E como a Finep se posiciona em um cenário como este? 

Camargo: A Finep é uma empresa de mais de 50 anos. Se analisarmos o pipeline da Finep de programas direcionados para micro e pequenas empresas inovadoras, muito se fez nos últimos anos. Quando cheguei, há 15 anos, trouxe essa visão do mercado privado de construir um pipeline mais amplo, compreendendo os diferentes estágios e também diferentes modelos.  

Agora, há uma limitação na participação da empresa no capital de risco para empresas tecnológicas, seja do ponto de vista orçamentário, seja do ponto de vista legal ou regulatório, seja por uma questão de foco mesmo. 

O “Centelha”, por exemplo, é um programa de entrada, de ideação, em que pessoas físicas podem se submeter uma ideia. Para empresas com um pouco mais de musculatura, há o Tecnova. Ambos são com recursos de subvenção econômica, recursos não-reembolsáveis. 

Logo em seguida temos o programa Finep Start-up, no qual a Finep investe diretamente nas empresas. Houve uma alteração na lei e hoje a Finep não precisa mais fazer chamada, pode avaliar os projetos que vai recebendo caso a caso. 

E temos a parte de crédito, com o Inovacred, um programa que operamos com as agências e bancos estaduais de fomento. 

BNamericas: Como são divididos os recursos nessas áreas? 

Camargo: Nos últimos quatro anos, o investimento da Finep em termos de private equity não passou de R$ 130 milhões. É muito pouco. Porque não é o nosso business. Este investimento tem mais risco, é mais para o setor privado. 

No crédito já temos mais expertise. Nos últimos quatro anos, a Finep operou em termos de linhas de crédito R$ 8,5 bilhões. O total dá em torno de R$ 2,5 bilhões. 

Em termos de recursos não-reembolsáveis para as empresas, a Finep nesse período operou R$ 1,6 bilhão, cerca de R$ 400 milhões por ano. Isso tudo operando com os recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] contingenciados. 

A Finep tem que ser uma agência operando com mais de R$ 5 bilhões em recursos não-reembolsáveis, considerando o desafio que termos no país. 

BNamericas: Como resolver este problema? 

Camargo: É um desafio. É difícil estimular o investimento em inovação, em que você tem muitos ativos intangíveis, não-físicos, com uma política macroeconômica lastreada em altíssimas taxas de juros. Não tem como. 

Ou vencemos o rentismo no país e faz com que esse capital seja menos especulativo, mais produtivo, ainda que correndo os riscos dentro de alguns limites, gerando emprego, desenvolvimento, ou não sairemos desse ciclo. Vamos ter sempre voos de galinha. 

Quando olhamos o Brasil de uma forma ampla, em termos de ciência e tecnologia, é possível dizer que o país só deu certo em três grandes áreas. 

Uma é petróleo, com o centro avançado de tecnologia da Petrobras, o qual fez com que tivéssemos a capacidade de desenvolver tecnologia para águas profundas e ultra-profundas. 

A segunda é agricultura, com a decisão estratégica do país no passado de desenvolver a Embrapa. Isso nos deu uma primazia na tecnologia agropecuária. 

E a terceira é a aeronáutica. A Embraer, hoje, é uma das maiores empresas do setor de desenvolvimento de aeronaves. Para além dessas áreas, acabamos perdendo vários bondes e oportunidades. 

BNamericas: Quais, por exemplo? 

Camargo: Semicondutores, que agora tentamos recuperar, mas com uma desvantagem competitiva grande com a Coreia do Sul, por exemplo. Áreas como a microeletrônica. 

A computação quântica, se não abrirmos o olho, deixaremos passar também. A inteligência artificial é outra, com o ChatGPT e outras tecnologia emergentes que já estão sendo usadas por muitas pessoas. 

No Brasil, conseguimos reunir competências, recursos e instituições de ponta em pesquisa na área de biotecnologia. Porque temos uma biodiversidade que ninguém tem. Mas se não conseguirmos avançar nessa área, também vamos perder essa oportunidade. 

Também poderia mencionar nanotecnologia e energias renováveis como áreas temáticas em que deveríamos investir. 

Mas não é possível fazer isso com o orçamento que nós temos. Aos soluços. Com os recursos sendo bloqueados a todo o tempo. 

BNamericas: Quais são as perspectivas em termos de orçamento e recursos? 

Camargo: 2022 foi bastante produtivo para a Finep, apesar de tudo. Conseguimos ter uma atuação muito inteligente. Pensamos no pipeline da empresa e também nos ambientes de inovação, que são os parques tecnológicos e centros de inovação.  

Temos no Brasil a obrigação de abrir os laboratórios das universidades, sobretudo para as micro e pequenas empresas poderem testar seus produtos, prototipar e acelerar o desenvolvimento de suas ideais. 

BNamericas: No ano passado houve também o desbloqueio de recursos de FNDCT, via um projeto de lei no Congresso, correto? 

Camargo: Tivemos R$ 2,7 bilhões de recursos não-reembolsáveis no ano passado. Em 2021 foram R$ 1,1 bilhão. Em 2020, R$ 928 milhões e, em 2019, R$ 850 milhões. Viemos crescendo até em 2022, por força legal, termos uma escala melhor de atuação. 

Mas não pode ser dessa maneira. É preciso linearidade e continuidade. Não é possível um cabo de guerra entre congresso e governo. Inovação é uma agenda de Estado, de país. 

Tudo é negociado com o orçamento federal. Lutei muito, junto com a minha equipe, para que tivéssemos agora o Tecnova 3. 

No crédito, que é um recurso que retorna, é um pouco mais fácil. Mas na subvenção, nos recursos não-reembolsáveis… 

BNamericas: Qual o orçamento da Finep para 2023? 

Camargo: Se não me engano, foi aprovado no governo passado em R$ 2,5 bilhões de reais. É um orçamento pequeno. E o desbloqueio do FNDCT ainda não foi materializado. Vamos ter em 2023 um ano muito difícil para implementar coisas novas. 

Nós tivemos um edital para centro de inovação lançado em agosto do ano passado e até hoje não conseguimos pagar nenhuma parcela, porque estamos com os recursos bloqueados. 

Uma coisa é ter o orçamento aprovado, outra é ter os recursos liberados, disponibilizados. O Brasil precisa, efetivamente, usar o FNDCT. 

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