Os efeitos da nova lei chilena de crimes econômicos e ambientais sobre pessoas jurídicas
Com a entrada em vigor da Lei 21.595 sobre crimes econômicos e ataques ao meio ambiente no Chile, as empresas são obrigadas a elevar seus padrões de ética e conformidade com modelos de prevenção de atos ilícitos.
O novo marco legal, que em setembro introduziu alterações na Lei 20.393 sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, amplia número de crimes tipificados e endurece as penas em áreas relacionadas a bancos, mercado de capitais e outros setores.
Pela primeira vez, considera-se a aplicação de penas privativas de liberdade ou restritivas, além de multas pesadas, mesmo que os crimes tenham sido cometidos por terceiros.
Para entender mais sobre a nova legislação e suas implicações para a mineração, a BNamericas conversou Jorge Castillo, diretor-executivo do Centro de Arbitragem e Mediação Mineira (Cammin).
BNamericas:Qual a complexidade que a lei de crimes econômicos e ambientais apresenta para as empresas no Chile?
Castillo: A reforma processual penal, que entrou em vigor em 2010, afetou tudo relacionado a acidentes de trabalho, sejam graves ou fatais, já que antes era permitido celebrar acordos de reparação diretamente com as famílias afetadas. Depois, Ministério Público passou a atuar como novo agente para investigar os acidentes, identificar a responsabilidade penal e encaminhar os processos ao Juzgado de Garantía [tribunal penal] para estabelecer os acordos de reparação.
Na nova lei, o Ministério Público tem um papel mais importante, pois complementa a Lei 20.393, que regula a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e passamos de vinte crimes para mais de 200, distribuídos em diferentes órgãos jurídicos, como como alfândegas, impostos, bancos, leis gerais, etc.
BNamericas: Em quais aspectos as empresas mineradoras devem prestar mais atenção?
Castillo: Com a introdução das normas de compliance, vários crimes terão uma importância significativa. Na área de saúde ocupacional, temos o decreto com força de lei DFL nº 1 do Ministério da Saúde, que se refere aos atestados de saúde dos trabalhadores.
Antes, quando um certificado de saúde era adulterado, havia uma sanção administrativa que afetava a pessoa física, mas hoje a sanção será direta e terá uma conotação criminal sobre a pessoa jurídica.
Outra norma importante está relacionada ao artigo 490 do Código Penal sobre os crimes de homicídio culposo em casos de danos graves à saúde ou à integridade do trabalhador, que, por meio da aplicação das normas de compliance, o Ministério Público poderá considerá-los crimes e responsabilizar penalmente a pessoa jurídica.
BNamericas: Ou seja, mesmo que a adulteração de atestado médico de saúde tenha sido cometida por um trabalhador, a pessoa jurídica deverá assumir toda a responsabilidade legal?
Castillo: Sim, o empregador. Afinal, o responsável penal será o garantidor de que isso não aconteça. Por isso, será essencial que toda pessoa jurídica implemente bons modelos de prevenção de crimes, que devem ser dinâmicos, gerenciáveis e auditáveis. Além disso, devem conter a assinatura de uma pessoa responsável pela prevenção de crimes, gerida a nível de diretoria, e ser revisados por um terceiro independente.
Na indústria mineradora, esse modelo deve ser um sistema vivo, adaptado a todos os protocolos e processos. É importante que seja do conhecimento de todos, para que em qualquer caso possa ser comprovada a aplicação do compliance e que a pessoa jurídica possa se eximir da responsabilidade penal diante da Diretoria do Trabalho ou de multas do [serviço de geologia e mineração] Sernageomin e eliminar a conotação criminal. O modelo de prevenção de crimes será a única ferramenta que pode constituir uma excludente de responsabilidade penal.
BNamericas: A responsabilidade pelos crimes recairá, então, sobre as pessoas jurídicas e não sobre as pessoas físicas?
Castillo: Embora sejam as pessoas físicas que cometam os crimes, será a pessoa jurídica a sancionada. Antes, pensava-se que os responsáveis potenciais eram aqueles que tomavam decisões na empresa, como o CEO ou a diretoria. Mas a lei foi além e estabeleceu que uma pessoa física que tenha um papel de supervisor ou administrador de recursos pode ser a responsável por comprometer a pessoa jurídica.
Por exemplo, no caso Penta, foram os órgãos intermediários que cometeram os crimes e o conselho de administração se desculpou, alegando que essas pessoas agiram por conta própria, por isso foram desligadas da empresa. Contudo, embora as operações tenham sido realizadas por órgãos intermediários com poderes administrativos, suas ações foram em benefício da empresa. Estas situações devem ser evitadas. Mesmo que os intermediários cometam crimes, a pessoa jurídica será integralmente responsável.
Os responsáveis pela conformidade de hoje devem ser capazes de treinar e orientar de acordo com os mais altos padrões. A norma é complexa porque amplia a responsabilidade para terceiros. Não será mais suficiente olhar apenas para dentro da empresa; será fundamental se preocupar com as ações de terceiros. O crime pode ser cometido até por um fornecedor que realize algum ato em benefício da pessoa jurídica, além da lei. Nesse caso, a responsabilidade penal também recairá sobre a parte que recebeu o benefício. Há uma extrapolação da responsabilidade.
BNamericas: Que tipos de penalidades ou sentenças existem?
Castillo: O Ministério Público determinará o tipo do crime, mas as maiores sanções podem ser a dissolução da pessoa jurídica ou a imposição de multas que chegam a 10.000 UTA [unidade tributária anual, o equivalente atual a 796.000 pesos ou US$ 853]. Porém, mais de 7 bilhões de pesos [US$ 8.5 milhões].
Os crimes podem ser publicados no Registro de Comércio ou no Diário Oficial, e as empresas serão identificadas como responsáveis, o que pode afetar sua reputação. Isso é um fator importante no mundo empresarial, que pode provocar a perda de valor das ações da empresa.
BNamericas: Como distinguir crimes de casos como, por exemplo, falência empresarial ou erros na administração do patrimônio?
Castillo: Não acredito que haja uma criminalização exagerada do mundo empresarial, pois o Ministério Público terá que analisar os elementos para configurar se ocorreu um crime, e as pessoas jurídicas poderão comprovar se tinham um modelo de prevenção e usar seus direitos para se defenderem diante da imputação de acusações.
BNamericas: A lei fala sobre a figura do supervisor de compliance com o poder de intervir e dar instruções às empresas em caso de identificação de um crime.
Castillo: Acredito que as empresas mineradoras não terão contato com esse profissional, pois, devido aos altos padrões exigidos, todas já devem estar ajustando ou aprimorando seus modelos de prevenção de crimes, além de capacitar seus oficiais de compliance para assumir essa responsabilidade.
BNamericas: Qual a severidade das penas relacionadas a crimes ambientais, como poluição, extração ilegal de água ou outros que possam ocorrer em projetos de mineração?
Castillo: Os promotores do Ministério Público já estão se preparando para lidar com questões ambientais, mas contarão com entidades colaboradoras, como o Conselho de Defesa do Estado. Diferente de outros casos, o crime ambiental não se baseia na lógica de determinar se o ato beneficiou a empresa, mas sim na falta de gestão ou na omissão de recursos para proteger o meio ambiente.
Não será fácil configurar os crimes ambientais, embora os tipos penais, como a extração de água sem autorização ou o despejo de agentes químicos contaminantes em águas superficiais ou subterrâneas, possam ser definidos. O padrão e a técnica ambiental terão que ser refinados para definir quais são os danos e os crimes em situações em que há uma resolução de qualificação ambiental vigente.
Já vi casos em que, devido às mudanças climáticas, ocorreram deslizamentos que causaram o colapso de piscinas de contenção com sedimentos que se desviaram para afluentes. Nesses casos, não seriam necessariamente crimes de despejo.
BNamericas: O que motivou os legisladores a promulgar esta lei?
Castillo: Considerou-se que o país precisava elevar os padrões de comportamento das pessoas jurídicas, começando com a área tributária e, posteriormente, incorporando os crimes econômicos 'de colarinho branco', até alcançar os crimes conexos, como os ambientais. Dessa forma, os crimes de suborno e os relacionados à administração desleal ou à gestão patrimonial foram fortalecidos.
Isso coloca um grande foco nas licitações de mineração, por exemplo, pois elas não serão tão flexíveis e não será fácil declará-las desertas ou redirecionar ativos. Se um terceiro acreditar que houve um crime no desvio de um patrimônio em uma licitação, isso poderá ser investigado, e não afetará os gerentes de abastecimento ou finanças, mas sim a pessoa jurídica.
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