Por que o Brasil precisa de usinas flexíveis
O caminho para o mundo atingir a neutralidade de carbono (net zero) até 2050 passa pela incorporação de usinas de equilíbrio, como usinas térmicas flexíveis de motores, juntamente com energia renovável e armazenamento de energia.
Esta é a conclusão de um estudo lançado na terça-feira (16) pela Wärstilä, que alerta para os riscos das condições climáticas extremas para o sistema elétrico brasileiro, como a histórica seca que atingiu o país em 2024.
Com o crescimento de seu sistema elétrico sendo puxado pelas fontes eólica e solar, e sem a perspectiva de construção de novos reservatórios hidrelétricos, o Brasil tem, de fato, recorrido às termelétricas como backup.
Em 2021 e 2022, o país realizou dois leilões de reserva de capacidade, voltados à contratação de usinas flexíveis, isto é, plantas capazes de serem ligadas e desligadas rapidamente conforme a necessidade do sistema.
Um novo certame está previsto para 2025, mas ele deve ter suas premissas revisadas, defende o diretor de vendas de projetos da Wärtsilä, Gabriel Cavados. Para ele, o governo está sendo otimista demais em relação ao tempo de uso das térmicas a serem contratadas e, por isso, recorrendo a tecnologias que, apesar de serem mais baratas na compra, são mais dispendiosas ao serem utilizadas.
BNamericas: Como você avalia a situação do setor elétrico brasileiro, tendo em vista a crescente participação das fontes renováveis?
Cavados: Nossa expansão se dá, principalmente, pela geração eólica e solar, e não estamos expandindo os reservatórios hidrelétricos. Precisamos, portanto, contratar um montante adequado de geração flexível. Nós não precisamos de MWh térmico, a não ser em períodos de escassez hídrica.
No custo da geração térmica, 85% corresponde a geração e O&M [operação e manutenção], o resto é capacidade. Então, essa capacidade em “peso morto” não afeta o bolso do consumidor. Você paga o prêmio do seguro, torce para não usar.
Precisamos contratar a capacidade que vá atender corretamente às necessidades do sistema lá na frente. Não adianta contratar térmica a carvão para capacidade, pois é uma tecnologia lenta, projetada para ser usada na base do sistema. Se tivermos uma seca a cada dez anos no Brasil, a térmica de capacidade que é contratada vai operar três, quatro meses seguidos. Então, não é apenas para integrar a intermitência da eólica e solar. Vai suprir quando não houver água nos reservatórios.
BNamericas: O governo adiou o leilão de reserva de capacidade para 2025. São necessárias mudanças nas regras?
Cavados: A parcela variável do custo da usina [i.e., custo de geração] está mensurada com 120 horas por ano, dando a entender que as plantas serão muito pouco usadas. Achamos que isso é um pouco equivocado. Quando não for necessário usar a planta, ela vai sair realmente barata. Mas, se precisar usar, a conta vai ser muitíssimo mais cara. Seria mais prudente considerar um fator de utilização um pouco mais alto. Mas, se for contratada a tecnologia equivocada, quando chegar o momento de estresse do sistema, o custo vai ser três vezes maior do que poderia ser.
BNamericas: O edital do leilão ainda não foi lançado. Qual foi a base de sua análise?
Cavados: Considerei a fórmula do leilão de 2021, que considera 120 horas, ou cerca de 1,5% do número de horas de um ano, como fator de utilização da capacidade.
Há uma nota técnica da EPE que explica a fórmula e contém um parágrafo afirmando que as 120 horas são uma estimativa, assinalando que a térmica tem de estar disponível o tempo todo pelas horas demandadas pelo ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico]. Nossa preocupação é: quando a térmica for despachada, o preço da energia vai ser maior do que poderia ser.
Dentre as tecnologias que podem fazer o serviço de capacidade flexível, isto é, térmicas a gás de ciclo aberto, temos: motores de alta rotação, turbinas industriais, aeroderivativas, e motores de combustão interna, que é o nosso negócio. Cada uma delas tem vantagens e desvantagens. Há tecnologias mais baratas na hora da compra, mas que, quando colocadas para funcionar, têm um custo variável muito elevado. Outras, o contrário. Chamo de baixa qualidade as tecnologias de alta rotação e turbina industrial, pois elas têm um custo de capacidade menor. Mas, se for necessário usar a planta com tais tecnologias, vai se pagar mais caro. As aeroderivativas e motores de média rotação custam um pouco mais, mas são mais eficientes, com CVU [custo variável unitário] mais baixo.
O risco que corremos é que, se considerarmos um número de horas de uso muito baixo, vamos contratar tecnologias mais baratas.
Nosso desafio é construir um sistema robusto, que integre grandes quantidades de energia renovável, baixando o custo. O segredo é colocar capacidade térmica flexível, colocando gás natural que emite menos carbono e possa ser convertido para combustível neutro futuramente. Nossa tarefa é traçar uma rota ótima para integrar cada vez mais fontes intermitentes.
Não estou falando mal do sistema elétrico nacional, que, ao contrário, é uma referência no mundo. Mas precisamos, a todo instante, revisitar as regras antigas, pois estamos passando por uma transição. Temos de fazer isso para não penalizar o sistema lá na frente.
[Nota da BNamericas: na última semana, o ONS recebeu ofertas de sete usinas termelétricas com condições flexibilizadas para atender à demanda no pico de carga. As usinas Nova Venécia 2, Maranhão IV, Maranhão V, Parnaíba IV, Ibirité, Três Lagoas e Porto Pecém I passarão a operar de forma mais dinâmica, ajustando sua produção conforme a variação da demanda ao longo do dia. A medida, estabelecida por uma portaria do Ministério de Minas e Energia, contribui, segundo o governo, para a redução dos custos de geração e para a otimização do uso dos recursos hídricos, essenciais para a produção de energia em hidrelétricas.]
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