Projeto inovador chileno busca preservar águas subterrâneas no Chile

Diante do esgotamento das fontes de água superficiais no Chile, as águas subterrâneas estão se tornando cada vez mais relevantes, representando, em alguns casos, até 70% do abastecimento de determinadas áreas rurais. 

No entanto, essas fontes também são vulneráveis à contaminação por infiltração, sendo os nitratos presentes nos fertilizantes um dos principais responsáveis.

Com o objetivo de remediar esse problema e reutilizar essas águas, acadêmicos da Universidade Adolfo Ibáñez lançaram a iniciativa Bio-Hidras, que visa desenvolver um sistema modular autossustentável capaz de eliminar os nitratos da água subterrânea por meio de osmose reversa, energia solar e microrganismos depuradores alimentados com hidrogênio verde.

Para saber mais sobre as potenciais aplicações desta tecnologia, e também se aprofundar no panorama atual do reúso de água na agricultura, a BNamericas conversou com a diretora da Bio-Hidras, Javiera Toledo, professora da Faculdade de Engenharia e Ciências da Universidade Adolfo Ibáñez.

BNamericas: Foi levantada a questão de que, apesar do grande interesse em investir no reuso de água no Chile, ainda existe uma barreira devido à falta de uma legislações claras. Como isso afeta o setor agrícola visado pelo projeto Bio-Hidras? 

Toledo: A nova lei de reúso de águas cinzas entrará em vigor na primeira semana de novembro e descreve os procedimentos, definições e tratamentos para a reutilização dessas águas. 

Na verdade, nosso projeto não está tão focado nesse tipo de água, mas sim no tratamento de águas subterrâneas que estão especificamente contaminadas com nitratos. O problema que identificamos é que o tratamento tradicional dessas águas, geralmente realizado por osmose reversa ou troca iônica, resulta na perda de uma porcentagem significativa. 

Nosso projeto visa recuperar essa água perdida e reintegrá-la ao ciclo de reprodução

Em relação à reutilização de águas residuais tratadas na agricultura, entendo que essas devem cumprir a normativa de irrigação, pelo menos em teoria.

BNamericas: As tecnologias em que a Bio-Hidras está trabalhando estarão disponíveis para pequenos e médios agricultores?

Toledo: Atualmente estamos em uma primeira etapa, que consiste em identificar as barreiras de pesquisa e as dúvidas associadas ao processo de reúso.

Nossa ideia inicial é ter um sistema modular móvel por meio de um caminhão-container, que nos permitiria nos deslocar para qualquer poço ou sistema tradicional de abastecimento de água potável.

Nas comunidades rurais, o tratamento de água é bastante simples, geralmente consistindo em um filtro de areia ou cloração, portanto, quando há contaminação por nitratos, não se faz muito mais. 

Nesse contexto, nossa solução busca se integrar a esses sistemas de forma independente no que diz respeito à energia.

Também pode ser aplicada em cultivos de grande escala, especialmente considerando que uma parte significativa da água doce no Chile vem de fontes subterrâneas.

Ainda não podemos estimar quanta água poderia ser economizada, pois estamos em fase de pesquisa. No momento, estamos construindo um laboratório solar móvel que nos permitirá ir a uma localidade e identificar quanta energia precisaríamos. Somente após a conclusão desse laboratório poderemos começar a falar sobre estimativas de economia de água.

BNamericas: Quando vocês esperam iniciar os pilotos e testes em campo? 

Toledo: Esperamos começar a trabalhar com o laboratório solar móvel em março de 2025. 

BNamericas: Como vocês estão abordando a questão dos custos de implementação dessas tecnologias? 

Toledo: Nosso sistema considera a integração de tecnologias que já existem. A osmose reversa é cara, mas também acreditamos que o custo diminuirá graças à maior demanda por tratamento de água para reúso.

Por outro lado, a tecnologia que parece ser a mais cara é a eletrólise, que é utilizada para a produção de hidrogênio. 

BNamericas: A reutilização de águas em sistemas de abastecimento de água potável é um tema mais polêmico do que na agricultura. No entanto, existem algumas localidades no Chile que dependem de águas subterrâneas para abastecer a população. Essas tecnologias propostas pela Bio-Hidras poderiam ser aplicadas nesse contexto ou em um sistema de abastecimento de água potável rural em menor escala?

Toledo: Acredito que o sistema possa ser perfeitamente adaptado. A única coisa que deve ser levada em consideração são as normas que estabelecem os parâmetros da água potável. Quando se usa osmose reversa para tratar a água, obtém-se água limpa, mas ela deve ser remineralizada para cumprir os regulamentos.

Nesse sentido, pensamos que, se eliminarmos os contaminantes que hoje fazem com que as águas subterrâneas não cumpram os regulamentos de purificação, provavelmente poderíamos utilizá-los em combinação com o tratamento biológico que estamos considerando.