A seca no Brasil pode ajudar a concretizar projetos de geração de energia?

O cenário de escassez hídrica e a consequente elevação dos preços da energia no Brasil pode ajudar a retirar novos projetos de geração da gaveta.

Depois de mais de dois anos praticamente no piso (em torno de R$ 60 ou US$ 10,7/MWh), o preço de liquidação das diferenças (PLD), que é a principal referência no mercado livre de energia, já superou R$ 270/MWh nesta terça-feira, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

A média do PLD em agosto ficou acima dos R$ 100/MWh em todos os subsistemas (sudeste/centro-oeste, norte, nordeste e sul).

Para Hélio Lima, CEO da Migratio EnergiaMigratio Energia, o novo cenário deve viabilizar sobretudo empreendimentos de pequeno porte voltados ao mercado livre, em fase avançada de aprovação e com implantação relativamente rápida.

A Migratio tem, hoje, um pipeline de seis projetos, com potências que variam entre 1 MW e 5 MW, todos baseados em fontes renováveis de energia.

“Achamos que o momento está mais atrativo”, afirmou o executivo. “O mercado livre é o ambiente indutor da expansão da capacidade de geração elétrica porque, em um cenário em que as distribuidoras estão sobrecontratadas, há pouca oportunidade para leilões no ambiente regulado.”

Deborah Canongia, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Scatec na América Latina, enxerga uma mudança relevante do cenário em relação há dois anos, quando as condições hidrológicas eram bem mais favoráveis.

“Isso se reflete também quando começamos a discutir com offtakers e percebemos uma mudança em seu apetite para fechar contratos de longo prazo”, disse à BNamericas.

Ela explica que, com os preços muito baixos, os interesses dos offtakers de fechar contratos de longo prazo estava diminuindo.

Com 2GW de projetos em avaliação no país, a Scatec iniciará, em breve, a construção de uma planta que conta com um PPA de longo prazo com a Statkraft  e cerca de 20-25% de sua energia ainda descontratada.

“Então, para essa parcela descontratada, trabalhamos com estimativas de preços de energia de longo prazo, e alterações relevantes, como o início de uma crise hídrica, impactam essa visão e ajudam o modelo financeiro”, observou Canongia.

Mas há quem esteja menos otimista.

João Sanches, CEO da Trinity Energias Renováveis, declarou que a alta de preços recente ainda não é suficiente para impulsionar projetos de geração que estão na gaveta.

“A alta de preços de longo prazo não foi tão significativa e foi acompanhada pela alta do dólar, o que encarece o capex de possíveis novos investimentos, sendo assim, a rentabilidade oferecida com as premissas atuais ainda não ficam interessantes”,  pontuou à BNamericas.

Mayra Guimarães, diretora de regulação e estudos de mercado da consultoria Thymos Energia, assinalou que, além dos preços, há outras variáveis que podem contribuir para impulsionar os projetos de geração, como a prorrogação do prazo para entrada em operação com benefícios da MP 1.212.

Ela destacou que a expansão da matriz está sendo pautada por projetos de autoprodução que dependem muito mais da curva de preços de longo prazo (curva forward) do que variações mensais do PLD.

“A curva forward também tem subido, uma vez que sofre influência do PLD no curto prazo, no entanto em magnitude menor”, observou Guimarães.

Já as altas recentes do PLD estão associadas a um cenário crítico de afluência que vem batendo recordes negativos, mas esse é um cenário pontual, avaliou a consultora.

“Estruturalmente, permanecemos com um cenário de sobreoferta, o que tem a tendência de diminuir os preços,” disse Guimarães.

Ingrid Santos, CEO da comercializadora de energia Indra Energia, entende que, apesar do cenário de escassez hídrica, a retomada de projetos não deve ocorrer devido à capacidade excedente já existente no sistema.  

“O desafio atual do país é lidar com o comportamento diferenciado das fontes intermitentes e os desafios que isso traz para a operação, especialmente nos horários de ponta. Por isso o cenário atual é de contratação de potência para o sistema, não energia”, explicou.

A contratação de potência se dá, por exemplo, por meio dos leilões de reserva de capacidade, em que usinas térmicas ou hidrelétricas fecham contratos flexíveis, sendo acionadas somente em momentos de necessidade.

O governo previa realizar um leilão do tipo em agosto, mas ele foi adiado e ainda não teve nova data definida.