Associações brasileiras de O&G levantam preocupações sobre regulamentação da reforma tributária
Observadores do mercado brasileiro de petróleo e gás criticaram os projetos de lei complementares PLP 68/2024 e PLP 210/2024 aprovados no Senado, alegando que eles contêm falhas legais e podem prejudicar a concorrência.
Projetados para ajudar a regulamentar a reforma tributária, os projetos de lei estão sujeitos à sanção presidencial.
Advogados solicitados a comentar o assunto pela BNamericas concordaram com a maioria das críticas.
Evaristo Pinheiro, presidente da associação de refinarias privadas Refina Brasil, disse que a decisão do relator da reforma tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), de retirar a cobrança do imposto seletivo sobre exportação de minérios e petróleo do texto final do projeto de Lei 68/2024 gera problemas jurídicos e risco de intermináveis ações judiciais.
“Taxar a extração e não a exportação representa gerar empregos no exterior. Por conta de mecanismos internos de preços de referência e transferência, o atual modelo torna mais vantajoso para as grandes petroleiras vender o óleo bruto para o exterior do que o revender às refinarias privadas nacionais”, disse ele em um comunicado.
Segundo a Refina Brasil, um projeto de lei complementar não pode mudar a regra constitucional, que estabeleceu a tributação tanto na extração quanto na venda, independentemente da destinação. Contudo, outros advogados consultados pela BNamericas discordaram nesse ponto.
Criado pela reforma tributária, o imposto seletivo incidirá sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente e tem como objetivo desestimular o consumo desses produtos.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que representa as principais petroleiras atuando no país, levantou preocupações sobre a inclusão da indústria de refino de petróleo como beneficiária de incentivos fiscais vinculados à Zona Franca de Manaus no PLP 68/2024.
A medida ameaça a livre concorrência, segundo a entidade, já que as empresas estão competindo no mesmo mercado em que algumas são isentas de impostos e outras devem pagá-los. Uma beneficiária específica será a Ream, que a Atem Distribuidora comprou da Petrobras em 2022.
O IBP também criticou o PLP 210/2024, que limita o direito das empresas de usar créditos para reduzir impostos devidos em caso de déficit primário federal, ou seja, quando a arrecadação tributária fica aquém dos gastos do governo.
“Essa medida representa não apenas aumento indireto da carga tributária das empresas, como afeta diretamente o seu fluxo de caixa”, afirmou a entidade em nota.
O PLP 210/2024 também proíbe a concessão, extensão ou prolongamento de incentivos ou benefícios fiscais. O IBP destacou que não está claro se essas limitações se referem apenas a novos casos ou se poderão ser aplicadas retroativamente.
“A potencial limitação para incentivos ou benefícios fiscais preexistentes na legislação poderia caracterizar uma violação aos princípios constitucionais da isonomia (art. 150, II), da igualdade (art. 5) e da neutralidade concorrencial do tributo”, acrescentou o IBP.
OPINIÃO DOS ADVOGADOS
Tiago Severini, Vieira Rezende Advogados
“As refinadoras eram favoráveis ao imposto seletivo na exportação de óleo, porque isso tenderia a tornar mais atrativa a venda ao mercado interno, para compra por elas. Se há imposto seletivo na venda interna, mas não na exportação, o óleo comprado pelas refinarias tende a ficar mais caro
Entendo que a imunidade da exportação é prevista constitucionalmente e alcança quaisquer tributos. Então, o PLP apenas ajustou a previsão à imunidade constitucionalmente assegurada. Não é ele que está concedendo uma isenção ou retirando a exportação da hipótese de incidência na venda.
A crítica do IBP [à limitação de crédito] é mais ampla. No sistema de IVA [imposto sobre valor alegrado, que unifica os impostos cobrados], que sempre foi o foco da reforma, não há qualquer restrição à fruição de créditos, justamente para assegurar a não-cumulatividade.
Travar esse creditamento pleno em caso de déficit primário acaba por ‘abrir a porteira’ para restrições ao uso do crédito (podendo ser previstas outras, via lei ordinária), além de punir a companhia, com aumento de carga tributária, justamente em ano em que o seu resultado seja eventualmente deficitário.”
Paloma Rosa, Vieira Rezende Advogados
“Em relação às críticas endereçadas ao PLP 210/2024, entendo que, em relação à tentativa de restrição da utilização de créditos tributários, tal pretensão tende a estar, ao menos à princípio, eivada de claro vício de constitucionalidade, o que acaba por gerar insegurança jurídica à própria sistemática tributária aplicada no País.
No que tange à restrição da liberdade para criar, ampliar ou prorrogar incentivos/benefícios fiscais, será necessário realizar a análise casuística da natureza de cada benefício ou incentivo a ser concedido, ampliado ou prorrogado, de forma a verificar se tal pretensão está em consonância com a Constituição e com a política fiscal que o governo pretende implementar. A aplicação de tal regramento de forma não orientada e não justificada pode trazer extrema insegurança jurídica ao mercado, principalmente aos setores que contam com benefícios que exercem função estrutural dos seus respectivos modelos de negócios e atividades, como ocorre no setor de petróleo e gás.
Se a inclusão das refinarias [na Zona Franca de Manaus] no referido tratamento tributário passar a causar uma grave distorção ou desequilíbrio ao setor em detrimento de reduzir muito pouco o desequilíbrio regional – que é causa de concessão do referido tratamento tributário –, entendo que tal inserção precisará ser reavaliada.
[Sobre a não tributação das exportações de petróleo:] entendo que o PLP apenas ajustou o texto proposto para guardar consonância com a disposição constitucional que concede imunidade tributária às operações de exportação.
Ainda que o texto do PLP mantivesse a menção às operações de exportação como hipótese de incidência do imposto seletivo, tal dispositivo seria invariavelmente inconstitucional, já que não cabe à Lei Complementar “reestabelecer” a incidência de operação constitucionalmente imune.”
André Carvalho, Veirano Advogados
“A crítica à inclusão de refinarias na zona franca de Manaus faz sentido. Uma refinaria vender sem tributação realmente distorce o sistema. Não tem por que quem está na Zona Franca comprar com tributo, sendo que todo restante do Brasil vai estar sujeito a tributação. Isto realmente quebra a concorrência.
O PLP 210/2024, por sua vez, atacará o caixa das empresas, inclusive as de fora do setor de downstream. Isto traz insegurança jurídica.
Discordo da posição da Refina Brasil sobre a cobrança do imposto seletivo sobre as exportações de petróleo. Isso seria tentar corrigir uma distorção, a cobrança do imposto seletivo sobre hidrocarbonetos, com outra distorção ainda maior: tributar a exportação. A própria cobrança do imposto seletivo no texto original do PLP 68 é controversa, sobretudo no caso de exportação.”
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