Destaque: os principais riscos no setor de energia brasileiro
Além dos desafios estruturais, tecnológicos e ambientais, o setor energético brasileiro se vê diante de sérios riscos dos pontos de vista político, legislativo e regulatório.
Um dos principais pontos de preocupação está relacionado à autonomia das agências reguladoras.
No final de outubro, o deputado federal Danilo Forte, do partido União Brasil pelo estado do Ceará, apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para subordinar as agências reguladoras à supervisão da Câmara dos Deputados.
Para as agências de energia elétrica (Aneel), mineração (ANM) e petróleo, gás natural e biocombustíveis (ANP), a supervisão ficaria a cargo da Comissão de Minas e Energia (CME).
Enquanto isso, enfileiram-se as incertezas provocadas por projetos de lei em tramitação ou aprovados recentemente, que podem impactar positiva ou negativamente os investimentos em energia elétrica e óleo e gás.
A BNamericas ouviu três advogados especializados no setor de energia, e suas contribuições estão transcritas a seguir:
Thiago Luiz Silva, sócio da área de energia do Vieira Rezende Advogados
Estamos em um momento muito delicado para o setor de energia de maneira geral.
A PEC das Agências surge como uma reação de um grupo parlamentar à crise da Aneel, agravada após o último apagão em São Paulo [na área de concessão da distribuidora de energia elétrica italiana Enel].
Mas não é a primeira iniciativa do tipo apresentada por Forte, que, em 2023, propôs a criação de um conselho, vinculado a ministérios e agências reguladoras, para deliberar sobre atividades normativas.
Tampouco é a primeira reação do Congresso à atuação da agência na crise da Enel: a Câmara aprovou recentemente o Projeto de Lei 1.272/2024, que dá aos municípios participação ativa na fiscalização e controle de licitações e contratos de distribuição de energia.
As críticas à atuação da Aneel na crise têm sido corroboradas pelo próprio governo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, levantou a possibilidade de alteração na duração dos mandatos de diretores e conselheiros de agências reguladoras, de modo a coincidir com as mudanças de governo.
Silveira também disse que é favorável à retomada dos contratos de gestão entre a União e as agências.
Enquanto isso, diretores das agências e representantes do setor privado têm saído em defesa da autonomia e independência dos órgãos reguladores.
Outro ponto que me preocupa muito é o quanto a ANP está estrangulada em termos de mão de obra.
No segmento de exploração e produção (E&P) de óleo e gás, a permissão para que a ANP revise os planos de desenvolvimento e produção em andamento para reavaliar a quantidade de gás reinjetada causou bastante desconforto na indústria. Afinal, a economicidade/declaração de comercialidade de vários campos está ligada à rentabilidade da produção de petróleo, que depende da reinjeção de gás.
Outro ponto de desconforto das petroleiras é o fato de que os ativos de escoamento [dutos] e processamento agora estão sujeitos às regras de transparência (base regulatória de ativos), que são características de mercados monopolistas, ou seja, deixam de ser considerados ativos de mercados competitivos. A Petrobras e suas parceiras querem continuar cobrando livremente pelo uso dessas infraestruturas, enquanto a indústria e outros players defendem que a cobrança das tarifas para o uso de infraestruturas essenciais seja regulada.
Os agentes interessados em usar a infraestrutura querem transparência nas tarifas, e não pagar o preço de ativos novos pelo uso de ativos que já tiveram seus custos amortizados há muito tempo. Como se trata de infraestrutura essencial, é preciso haver modicidade na tarifa.
Todos procuram culpados (exceto a si mesmos) para justificar o custo elevado do gás no Brasil. No entanto, não há um único responsável ou vilão: diversos fatores estão em jogo, e o mercado, sozinho, não resolverá o problema sem intervenção do Estado.
Para garantir segurança energética e gás natural a preços competitivos no longo prazo, todos os setores brasileiros precisam compartilhar os custos. Acredito que é essencial para o Brasil desenvolver a indústria do gás natural, seja para uso termoelétrico, para sustentar o rápido crescimento das fontes renováveis intermitentes, seja para uso industrial.
Juliana Melcop, sócia da prática de energia, infraestrutura e projetos do Veirano Advogados
O país está passando por uma crise institucional no setor elétrico de alta gravidade. Há um descompasso entre as ações do MME e da Aneel – já não é novidade que o ministro e os diretores da agência vêm discordando publicamente sobre os mais diversos assuntos, inclusive com questionamentos sobre os limites de competência de cada ente.
A crise ganha novas proporções com a tentativa de subverter a autonomia da Aneel. Caso seja aprovada uma norma que diminua os poderes da agência, considero um retrocesso técnico, jurídico e político, com repercussões importantes, inclusive para futuros projetos e investimentos no âmbito do setor elétrico.
O setor elétrico vem de um ano mais difícil em termos financeiros. Durante boa parte dos meses, o preço médio de mercado (PLD) ficou em seu limite mínimo, o que não contribui para a atratividade de novos projetos [de geração]. Há pouca demanda, com muita oferta. Mais recentemente, a operação do setor sofreu mudanças, passando a ser necessário o despacho de geração termelétrica no horário de ponta, a partir das 18h, em face da retirada da fonte solar de geração distribuída e do deplecionamento dos reservatórios hidrelétricos.
Mesmo assim, estamos passando por dificuldades para definir políticas públicas que valorizem empreendimentos que possam atuar e solucionar essa situação – vide a demora do MME em publicar a portaria definitiva de diretrizes para o leilão de reserva de capacidade e anunciar as regras voltadas ao uso de baterias.
Além disso, as usinas eólicas e solares centralizadas passam por dificuldades técnico-financeiras, com a aplicação mais intensa de curtailment, sem perspectiva de solução perante o governo e as entidades setoriais. Os empreendimentos renováveis, que até pouco tempo atrás eram o carro-chefe dos investimentos no setor, sofrem com uma redução súbita na sua receita, sem expectativa de solução em um futuro próximo.
Uma mudança regulatória que já é anunciada há alguns anos é a modificação do regime de autoprodução por equiparação, que, atualmente, permite que empresas com capital com direito a voto, participantes em sociedades voltadas à geração de energia, gozem de benefícios tarifários. Eventual restrição a esse regime trará consequências para os investimentos no setor elétrico, pois, hoje, com a ausência de leilões regulados e a proliferação da GD, a autoprodução acabou por ser o grande mobilizador de novos projetos.
A GD vem ganhando mais musculatura, com cada vez mais potência instalada no país. O espalhamento dessa fonte merece cuidados do ponto de vista técnico, por não termos uma rede de distribuição plenamente adequada para a proporção que a GD tomou, e também do ponto de vista tarifário, pois essa modalidade conta com muitos benefícios que acabam onerando os demais usuários da distribuidora local.
Como a DG já demonstrou ter grande influência política, não é incomum que surjam notícias de que mais um benefício tarifário ou regulatório será proposto no Congresso. Essa proliferação de novos benefícios pode piorar a atratividade de investimentos na geração centralizada.
Leonardo Dib Freire, sócio da área de energia do RMMG Advogados
A pauta verde no Congresso Nacional está a todo vapor, agora impulsionada pela COP29, que começou em 11 de novembro em Baku, no Azerbaijão. Recentemente, foram aprovados os projetos de lei do hidrogênio de baixo carbono, do programa de desenvolvimento do hidrogênio de baixa emissão de carbono (PHBC) e do combustível do futuro. Porém, todos esses temas dependem, em maior ou menor grau, de regulamentação infralegal, o que demanda cautela dos investidores.
No fim de outubro, encerrou-se a consulta prévia realizada pela ANP sobre sua agenda regulatória para o biênio 2025-2026, e o tema do hidrogênio não foi contemplado. Por outro lado, a agência deu atenção a temas como o marco regulatório do combustível de aviação sustentável (SAF), a introdução de novos combustíveis na cadeia, o marco regulatório do etanol anidro, combustíveis experimentais e experiências regulatórias inovadoras.
Portanto, atualmente, investimentos nos combustíveis avançados e nos biocombustíveis mostram-se menos arriscados, sob a ótica jurídica, do que aqueles em hidrogênio de baixo carbono.
Há grande expectativa de que o projeto de lei do mercado regulado de carbono seja aprovado em breve. Para os investidores, seria interessante que o Congresso deixasse os conceitos de REDD+ [esquema da ONU para redução de emissões por desmatamento e degradação florestal em países em desenvolvimento] mais claros e que não tornasse obrigatória a passagem desses créditos dentro do mercado regulado para sua exportação, o que diminui a competitividade do Brasil no cenário global.
Outro destaque é o projeto de lei das eólicas offshore, que terá impactos significativos no setor de energia elétrica. Porém, esse projeto contém vários “jabutis” (inclusão de assuntos fora do escopo do projeto), o que causa insegurança jurídica, afasta investimentos e dificulta ou atrasa sua aprovação.
Há diversos outros projetos de lei na pauta de energia, como os do programa de aceleração da transição energética (Paten), do lítio verde e da expansão do mercado livre de energia (PL 414/2021), aumentando a complexidade e as incertezas sobre o setor de energia.
Os investidores precisam estar muito atentos a todas essas alterações legislativas e regulatórias em curso.
Um dos principais riscos decorrentes dessas alterações legislativas – muitas vezes feitas “a toque de caixa”, sem o devido debate e a partir de decisões puramente políticas do Poder Executivo no setor de energia – é a inviabilização técnico-econômica dos projetos em razão da ausência de estudos prévios de impacto.
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