Por que o setor de lítio do Brasil ainda não decolou

Embora o desenvolvimento de projetos de lítio fortaleça a posição do Brasil na transição energética global, os investimentos no segmento ainda estão abaixo dos demais minerais.

Dos US$ 64,4 bilhões em investimentos estimados para o período de 2024 a 2028, apenas US$ 1,19 bilhão serão destinados a projetos de lítio, de acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

"Em termos de escala de projetos, o lítio ainda se apresenta como um segmento onde tais projetos são muito menores do que segmentos mais consolidados, como minério de ferro ou cobre, por exemplo. O lítio ainda precisa ser comprovado no longo prazo, mas acho difícil que projetos ligados ao lítio exijam tantos investimentos e tenham escalas tão grandes como vemos no caso do minério de ferro e do cobre", disse à BNamericas Wilfred Bruijn, ex-CEO da Anglo American no Brasil e ex-presidente do conselho de administração do Ibram.

Enquanto os segmentos de minério de ferro e cobre são dominados por gigantes globais da mineração, a participação no lítio é mais fragmentada, com empresas juniores e casas de investimento desempenhando papéis importantes.

"A etapa em que está o lítio ainda não representa uma porta de entrada para as grandes mineradoras, porque ainda há grande volatilidade na formação dos preços do lítio e também há dúvidas sobre a utilização do lítio em um cenário de muito longo prazo", afirmou Bruijn, que agora atua como consultor.

"Isso não significa que o cenário não pode mudar, se o lítio for consolidado como parte dos esforços globais de apoio à transição energética, em algum momento poderemos ver grandes mineradoras entrando com mais força no segmento do lítio", acrescentou.

Enquanto isso, os players financeiros estão se tornando cada vez mais relevantes no segmento.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou um financiamento de R$ 487 milhões (US$ 87 milhões) para uma unidade de processamento de lítio no projeto Grota do Cirilo, da Sigma Lithium, em Minas Gerais.

Com os recursos provenientes do Novo Fundo Climático do banco, a empresa aumentará a produção de concentrado de lítio de 270.000 t/a para 520.000 t/a.

A Sigma Lithium é uma empresa listada no Canadá e foi fundada pela brasileira Ana Cabral-Gardner, profissional de banco de investimento e gestora da empresa de private equity A10 Investments.

Além disso, os gigantes financeiros globais como Goldman Sachs e UBS assumiram participações na empresa Latin Resources, lista na Austrália, detendo atualmente 5,20% e 5,37%, respectivamente, de acordo com documentos de valores mobiliários.

A Latin Resources revelou recentemente um plano de capex de US$ 308 milhões para seu projeto de lítio Salinas, em Minas Gerais.

E em julho, a empresa britânica de investimentos Appian Capital Advisory entrou no segmento após fechar um acordo de royalties com a Lithium Ionic, proprietária do projeto Bandeira, em Minas Gerais.

Os principais projetos estão localizados no chamado Vale do Lítio, em Minas Gerais, onde operam a Companhia Brasileira de Lítio, Sigma, Atlas Lithium, Latin Resources e Deep Rock.

O segmento brasileiro de lítio também está atraindo empresas envolvidas na fabricação de veículos elétricos que desejam garantir insumos para a produção de baterias, incluindo a fabricante chinesa de veículos elétricos BYD.

“A BYD tem aumentado seus investimentos no Brasil, inegavelmente influenciado pelas tensões entre a China e os Estados Unidos, levando ao redirecionamento de alguns dos investimentos planejados pela BYD nos Estados Unidos para o Brasil”, observou Marcello Schneider, diretor institucional da BYD no Brasil, em um evento recente.

“Olhando para o futuro, a BYD pretende investir em toda a cadeia de eletrificação, incluindo fases de processamento de lítio no Brasil, produção de baterias e armazenamento de energia”, acrescentou.

PROBLEMAS

O Vale do Lítio fica no Vale do Jequitinhonha, uma região subdesenvolvida que enfrenta dificuldades para atrair talentos.

Embora os governos locais sejam geralmente receptivos a novos participantes, a oposição da comunidade é um problema.

Durante uma audiência pública do comitê de meio ambiente e desenvolvimento sustentável de Minas Gerais em julho, membros da comunidade alegaram que seus direitos foram violados e que não foram consultados sobre um projeto de lítio e exploração, que avançou sem respeitar os procedimentos adequados.

Projetos em segmentos mais consolidados, como ferro e cobre, enfrentaram problemas semelhantes devido à falta de diálogo com a comunidade, o que causou atrasos na obtenção de licenças.