Regime de investimento argentino é ‘incentivo’ para projetos de Vaca Muerta voltados para a exportação
A aprovação do projeto de lei de reforma econômica do presidente argentino Javier Milei pode gerar investimentos no setor energético, que provavelmente seriam liderados por iniciativas de infraestrutura de hidrocarbonetos de midstream planejadas por players locais experientes.
A probabilidade é que os investidores estrangeiros do setor de energia fiquem só observando, por enquanto, à espera de novas melhorias no ambiente de negócios – ou pelo menos sinais mais claros de estabilidade macroeconômica e controles cambiais.
Um pilar fundamental do projeto de lei centrado na desregulamentação de Milei – chamado de Lei de Bases – é um regime de promoção de investimentos conhecido como Rigi, que visa projetos com desembolsos necessários da ordem de US$ 200-900 milhões.
“O principal impacto para o investimento deve vir do Rigi, que concede certos benefícios fiscais e isenções de controle cambial por 30 anos para grandes projetos realizados por veículos de propósito específico e executáveis por arbitragem internacional”, explicou à BNamericas o advogado argentino especializado em energia, Francisco Romano.
Romano acrescentou que o regime, de modo geral, foi visto como um passo positivo. Segundo ele, as deficiências identificadas pelo mercado poderiam ser parcialmente resolvidas pela legislação complementar que será necessária para orientar sua implementação.
“A principal crítica é que o regime é altamente discricionário, com um escopo limitado, e cuja adesão deve ocorrer dentro de dois anos após a promulgação da lei, com a confiança no governo ainda escassa entre os investidores internacionais que continuarão esperando para ver o que acontece”, disse ele.
A maior empresa de hidrocarbonetos da Argentina, a estatal YPF, e a companhia de midstream de gás TGS, por exemplo, têm grandes projetos em seus portfólios. As iniciativas visam os segmentos de GNL, líquidos de gás natural e transporte de petróleo e gás. No ano passado, a TGS disse que havia uma grande quantidade de dinheiro parada.
A YPF afirmou recentemente que a decisão final de investimento no projeto de GNL planejado com a contraparte malaia Petronas dependeria da concessão de incentivos do Rigi.
O ex-secretário federal de hidrocarbonetos, Juan José Carbajales, que agora é diretor da consultoria energética local Paspartú, descreveu alguns dos obstáculos associados ao setor e destacou a importância da legislação complementar pendente.
“O grande desafio é destravar projetos de investimento de grande escala em infraestrutura, com financiamento privado, através do Rigi”, disse ele à BNamericas.
“Os exemplos incluem o projeto de GNL da YPF e outras expansões de dutos, usinas e terminais. Será fundamental conceber, através da regulamentação, mecanismos para que as novas exportações gerem níveis aceitáveis de desenvolvimento produtivo nacional.”
Carbajales, que também é acadêmico focado na energia, referiu-se ao projeto de lei como um todo, que, entre outras medidas, desregulamenta o setor de hidrocarbonetos.
“A aprovação da Lei de Bases traz grande incerteza e um desafio significativo”, disse Carbajales. “A incerteza gira em torno de como funcionará um setor desregulamentado, que, pela primeira vez em cinco décadas, perde a prioridade de abastecimento do mercado interno. A visão otimista se baseia no paradigma de abundância trazido pela formação de Vaca Muerta [de hidrocarbonetos não convencionais]. A visão mais cautelosa alerta para a possibilidade de escassez ou aumentos nos preços no mercado interno.”
GNL, GÁS NATURAL E PETRÓLEO
Enquanto isso, alguns trechos do texto do Rigi parecem particularmente voltados para o projeto da YPF-Petronas, apontou Romano, sócio do escritório de advocacia Pérez Alati, Grondona, Benites & Arntsen e codiretor do Instituto de Energia da Universidade Austral.
A YPF e a Petronas preveem a exportação de GNL em várias fases, começando com instalações flutuantes de GNL a partir de 2027, seguidas pela construção de módulos fixos. A expectativa é que a capacidade de exportação aumente de 1-2 Mt/ano para 25-30 Mt/ano até o início da década de 2030, segundo comentários recentes feitos pela YPF.
Outros dois projetos de GNL, um deles planejado pela TGS e pela empresa de logística norte-americana Excelerate Energy, estão em fase de estudos.
A principal fonte de gás seriam os campos não convencionais na formação de Vaca Muerta.
Existem fatores que influenciam os investimentos no setor de petróleo e no gás: uma iniciativa nacional para estimular as exportações e substituir as importações de combustíveis líquidos, GNL e gás canalizado da Bolívia.
Para Luciano Codeseira, diretor executivo da consultoria regional Gas Transition Consultant, o Rigi constituiu um incentivo para projetos de infraestrutura e desenvolvimento com foco na exportação em Vaca Muerta.
Hoje, a maior parte do investimento em upstream e midstream, especialmente de petróleo, está ligada à formação.
Codeseira descreveu a situação do petróleo e do gás em que, no curto prazo, o crescimento da produção continuará limitado por gargalos no despacho.
“Vemos que os contextos global e local seguirão mais favoráveis para o desenvolvimento dos recursos petrolíferos em Vaca Muerta. No que diz respeito ao gás natural, no médio prazo, as vantagens do Rigi podem contrabalançar a falta de competitividade sistêmica da Argentina no mercado global de GNL, muito mais restrito que o do petróleo, devido ao acúmulo de projetos de liquefação em todo o mundo”, disse ele.
“Nesse sentido, o Rigi desempenhará um papel fundamental na ancoragem de contratos de exportação em grande escala e no fornecimento da segurança que qualquer comprador precisará avaliar”, completou.
A exportação de GNL é vital para o objetivo da Argentina de impulsionar a monetização dos seus vastos recursos de gás natural antes que a janela de transição energética se feche.
Na verdade, as perspectivas atuais para um crescimento significativo nas exportações de gás para seus vizinhos Chile e Brasil parecem fracas.
A demanda total do Chile pode registar uma tendência de queda nos próximos anos, à medida que o país descarboniza sua matriz de geração de eletricidade e trabalha para estimular a eletrificação da economia. No entanto, a busca por fornecimento firme de gás durante todo o ano por parte do produtor chileno de metanol Methanex poderá contrariar essa tendência.
O Brasil, potência econômica da América Latina, é frequentemente citado como um potencial comprador de grandes volumes de gás argentino. Negociações preliminares já foram realizadas, e uma opção seria a exportação de gás argentino através da infraestrutura boliviana. No entanto, os sinais hoje não são promissores: o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva – em um polo político oposto ao de Milei –, disse recentemente que queria que o Brasil deixasse de depender de gás importado. O gás associado dos campos petrolíferos offshore do Brasil poderia ajudar a satisfazer a demanda doméstica.
O GNL é provavelmente uma opção mais atraente para a Argentina, uma vez que concede aos produtores locais acesso ao mercado global, diversificando o campo de potenciais compradores.
HIDROGÊNIO DE BAIXA EMISSÃO
De acordo com Romano, os projetos de hidrogênio de baixo carbono – que ainda estão em fases iniciais de desenvolvimento – estão praticamente excluídos do regime Rigi, dada a janela de adesão de dois anos. Ele acrescentou que seria necessário um quadro especial para cobrir toda a cadeia de valor do hidrogênio e seus derivados. Os aspectos-chave dessa regulamentação incluiriam certificação e “adicionalidade”, como uma nova infraestrutura de energias renováveis.
A subsecretária argentina de Planejamento Energético, Mariela Beljansky, disse recentemente em uma conferência sobre hidrogênio no Chile que um projeto de lei sobre hidrogênio seria apresentado em julho.
“Estamos tentando mudar muitas coisas ao mesmo tempo”, relatou Beljansky.
Internamente, o hidrogênio pode ter um “papel fundamental” na descarbonização de alguns setores, apontou, citando como exemplos as indústrias de aço e fertilizantes.
O governo anterior apresentou ao Congresso um projeto de lei de promoção do hidrogênio.
A Argentina, rica em energia eólica e solar, é sede de vários projetos de hidrogênio verde anunciados publicamente – entre eles MMEX Austral H2 e Pampas. No ano passado, o país publicou uma estratégia nacional de hidrogênio.
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