
Neutralidade de carbono: o paradoxo do projeto de Constituição do Chile
O projeto de Constituição do Chile está bastante focado na proteção ambiental e na crise climática, mas pode, na verdade, dificultar os esforços para seguir migrando para uma economia mais verde.
A Carta Magna proposta, embora progressista, é vista por alguns como mal redigida, com artigos que podem criar insegurança jurídica em áreas como direitos de propriedade e licenciamento, abrindo espaço para longas disputas possivelmente prejudiciais para os investimentos climáticos.
O Chile estabeleceu a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2050, objetivo que dependerá em grande parte de gastos contínuos em tecnologia, sobretudo nas esferas de energia, transporte e indústria. Em paralelo, o setor de uso da terra, incluindo a silvicultura, precisa manter sua capacidade de sequestro de carbono para mitigar as emissões.
Luis Gonzales, coordenador econômico para mudanças climáticas, energia e meio ambiente do centro de política econômica e social da América Latina da Universidade Católica do Chile (Clapes UC) recomenda cautela.
“Temos a ambição de atingir esse objetivo, mas se, no caminho, errarmos na maneira de alcançá-lo, poderemos acabar com mais emissões”, disse Gonzales durante um webinar do Clapes UC.
Enquanto o setor de energia avança em um ritmo acelerado pelo caminho das renováveis, os esforços para a redução de emissões no Chile hoje estão sendo prejudicados, por exemplo, pelo forte aumento do consumo de gasolina e diesel por motores de combustão interna.
Os dados globais, por sua vez, mostram que o crescimento econômico e o crescimento das emissões de carbono per capita pararam de caminhar em sincronia por volta do final da década de 1970 e, desde então, o crescimento das emissões per capita permaneceu praticamente estável.
“Esta separação pode ser obtida através da orientação e participação do Estado mas, principalmente, do setor privado. Por quê? Porque os recursos estão em alta demanda em outros setores, como educação, saúde, previdência”, apontou Gonzales.
O diretor do Clapes UC e ex-ministro das Finanças, Felipe Larraín, citou o prazo curto que o mundo tem para limitar o aquecimento global e a necessidade de atrair capital privado. As constituições precisam tentar minimizar a insegurança jurídica que pode atrapalhar ou impedir o investimento, “o que, nessa corrida contra o tempo, é o pior dos caminhos”, disse Larraín.
A nova Constituição criaria um departamento para a proteção da natureza, encarregado de “estabelecer ações constitucionais e legais quando direitos ambientais e da natureza forem infringidos”. Em uma medida associada, o número de tribunais ambientais passaria de três para 16, um para cada região. Artigos relacionados à neutralidade de carbono no texto proposto estabelecem princípios para “ação climática justa” e o dever do Estado nas esferas de prevenção, adaptação e mitigação.
No início deste ano, o projeto de lei sobre mudanças climáticas do Chile foi sancionado, com objetivos principais de diminuir as emissões de gases de efeito estufa e estimular a adaptação e mitigação das mudanças climáticas. A legislação consolida a obrigação do país se tornar neutro em carbono até 2050.
Rodrigo Álvarez, advogado e membro da Assembleia Constituinte que elaborou o projeto de Constituição, destacou que o meio ambiente “sempre será – e foi – um pilar central da discussão”.
Para Álvarez, a complexidade e a linguagem do projeto, juntamente com medidas como a devolução de certos poderes contidas nele, causariam confusão jurídica.
“Acredito que a única coisa que fica clara aqui é que as contestações legais vão aumentar, de forma significativa, e isso terá um impacto econômico”, avaliou Álvarez, acrescentando que o desenvolvimento econômico não é um tema transversal no texto e que alguns membros defenderam a redução da produção econômica.
“É mais do que provável que, se o texto acabar sendo aprovado, passaremos muitos anos tentando entender o que ele diz e o que não diz.”
No início deste ano, o banco de investimento Morgan Stanley disse que a exclusão das propostas menos ortodoxas deve reduzir a incerteza política para os empresários e apoiar o investimento, enquanto a instituição financeira JP Morgan citou o risco de incerteza prolongada e a necessidade, se o projeto for aprovado, de resolver essa situação.
Em 4 de setembro, os eleitores decidirão se aprovam ou rejeitam o rascunho do texto. Muitos dos autores da proposta não tinham base legal. Se o projeto for aprovado, o Chile receberá uma nova Constituição. Se rejeitada, a Carta Magna existente permanecerá e os legisladores terão de decidir qual caminho seguir, com opções que incluem alterar o projeto ou iniciar todo o processo do zero.
Poucos teriam previsto um cenário tão incerto em outubro de 2020, quando quase 80% estiveram a favor da substituição da atual Constituição, que foi elaborada durante a ditadura, mas desde então passou por diversas reformas.
As pessoas saíram às ruas no final de 2019, reivindicando melhorias na saúde, previdência e educação, entre outras. Em um processo dirigido por partidos e em meio a apelos de alguns membros da Constituinte para derrubar e reconstruir o sistema político e econômico, o corpo de redação de esquerda dedicou muita energia em mudanças profundas – e amplamente cobertas pela mídia. Entre elas, a derrubada do Senado, a criação de sistemas de justiça paralelos, a devolução de poderes e uma proposta, que acabou sendo rejeitada, de nacionalizar os recursos naturais.
Aqueles que apoiam o texto “maximalista” afirmam que ele fortalece os direitos sociais e a proteção ambiental. Os contrários dizem que o documento não é o que se esperava e que geraria divisão e instabilidade.
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